quarta-feira, 18 de maio de 2016

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Artigo descreve a solidão dos alpendres cheios de lembranças

Alpendre vazio

Por Fernando Antonio Bezerra*

Casa de fazenda - Foto: Nathália Diniz
Nos tempos do Seridó com muita gente nos sítios, de seca a inverno, as histórias verdadeiras, as narrativas imaginativas, as conversas sobre almas e aparições, o culto a personalidades, as pelejas e amuações, as notícias que chegavam, tudo, em síntese, era pauta das conversas nos alpendres, seja da frente, mais vistoso, seja na cozinha, como área de serviço e encontro.

A casa grande em duas águas, preferencialmente construída em um ponto mais alto, com a frente voltada para o nascente, é apresentada pelo alpendre que, no dizer dos arquitetos, é “uma extensão do telhado, ou tem sua própria cobertura independente, porém semelhante ao telhado. Pode ter apoio próprio ou sobre colunas”. É, em resumo, um típico espaço das casas construídas nas terras de clima mais quente, como os países tropicais. Para nós, o alpendre é muito mais que estrutura ou espaço edificado. O alpendre do sítio é relicário de momentos, lembranças e sentimentos.

No Seridó que a gente ama, do alpendre, em regra, se avista o curral, o armazém e, não raro, o açude. Aliás, em torno do açude se dá a vida econômica da propriedade rural e em torno do alpendre a vida social. É o lugar da tradição oral, do balanço da rede, do tamborete encostado na parede e até, em alguns lugares, da mesa com pano verde onde ganha quem presta atenção nas cartas que o outro entrega. O alpendre, na casa do sítio, é muito, mas, sem gente, se torna pouco.

O  povo do sítio foi indo embora carregado pelas secas, pelo desprestígio a quem trabalha no pesado, pela insegurança, pela solidão ou até mesmo pela ilusão de promessas feitas de vida melhor na rua. Antes, mesmo os filhos na cidade, a família se reunia de tempos em tempos e contagiavam o alpendre com a alegria do reencontro e com a abundância de comidas tradicionais que, infelizmente, estão deixando as mesas das casas porque o aprendizado da boa gastronomia sertaneja alcança, a cada geração, menos pessoas. Dos doces a comidas de milho; da galinha tratada no chiqueiro à costura das buchadas; da paçoca no pilão ao café coado no pano, enfim, pelas mãos prendadas – sobretudo das mulheres – eram preparados nas próprias casas os mais variados pratos e da cozinha vinha o grito esperado no alpendre: o almoço está na mesa!

E a noite cedo, depois da ceia, ainda no alpendre, eram ouvidas as histórias das famílias, dos vaqueiros, da pega do boi, da caça às onças, do bote da cobra no açude e outras mais “estórias de trancoso, do cão, dos tempos em que os bichos falavam”, conforme escreveram, no livro “Seridó – Sec. XIX, Fazenda & Livros” os geniais Padre João Medeiros Filho e Oswaldo Lamartine de Faria, acrescentando: “Quase todas essas contadeiras de estórias eram empregadas, donas de rico repertório e arte representativa de vozes, inflexões e gestos que faziam o hipnótico encanto da meninada. Algumas, de tão célebres, eram convocadas para temporadas nessa ou naquela fazenda. Livros-vivos de estórias de um mundo que se foi...”

Mundo também que tinha seus males e pragas, mas de aflorada solidariedade entre as pessoas. Precisamos lembrar um pouco mais da cultura que foi berço de pobres e ricos do Seridó que nos antecedeu. Resgatar um pouco do que é possível e daquilo que é bom. Existem resistentes, mas, infelizmente, a maioria dos alpendres - de domingo a domingo - permanece sozinho. Com o consumismo além da conta que se pode pagar; com a mudança de costumes onde o resultado se espera antes do esforço; com a preferência desordenada pela urbanização, seus danos previstos e tudo o mais que todos sabem, o alpendre está vazio, muitas vezes com o telhado arriado pela saudade, cheio de lembranças e seco de vida.

*Fernando Antonio Bezerra é potiguar do Seridó com post na página do Bar de Ferreirinha 

domingo, 15 de maio de 2016

O legado cultural do bando de Lampião.

A seguir uma reprodução da página do historiador Rostand Medeiros sobre a publicação “Na trilha do cangaço – o sertão que Lampião pisou”. Confira trechos de A poética geografia do cangaço, em Tok de História:

Foto: reprodução capa livro/divulgação
Na trilha do cangaço – o sertão que Lampião pisou [Vento Leste, 2016, 104 p.] é um encontro único: as elegâncias das fotografias de Márcio Vasconcelos e do texto de Frederico Pernambucano de Mello, a exuberância das paisagens, a grandeza dos personagens e o imenso legado cultural deixado pelo bando liderado por Virgulino Ferreira da Silva.

O maranhense Márcio Vasconcelos embrenha-se na geografia sui generis do Nordeste para refazer os caminhos percorridos por Lampião e seus cangaceiros, da invenção do bando à execução de seu líder, em 1938, na Grota do Angico, em Poço Redondo/SE, ao lado de Maria Bonita e outros nove homens.

Outra grandeza que merece destaque é não quererem tirar conclusões. Muito já foi dito sobre o cangaço e particularmente Lampião é fartamente biografado. “Os cangaceiros não foram heróis nem bandidos. Foram homens que disseram não à situação”, anota Vasconcelos na legenda da foto da Grota do Angico. [Leia mais > Tok de História] 


--
Postado por AssessoRN - Jornalista Bosco Araújo no AssessoRN.com em 5/15/2016 10:01:00 AM

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Nísia Floresta e seu cenário turístico


Foto:jzs/divulgação
O município de Nísia Floresta enche de orgulho os seus moradores pela sua história e ao mesmo tempo pelo belíssimo resgate cultural que possui. Está localizado na Região Litoral Agreste do Estado, a 43 quilômetros da capital, onde residem cerca de 23 mil pessoas. Situado também no Pólo Costa das Dunas que ainda compõem as praias de Búzios, Pirangi do Sul, Barra de Tabatinga, Barreta e Camurupim e as Lagoas  Boágua, Carnaúba, Carcará, Redonda, Bomfim e Ferreira, que fazem parte do cenário turístico do RN.
A municipalidade e sua vizinhança possuem verdadeiros tesouros como a  vegetação exuberante, numerosos lagos, população acolhedora e alimentação suculenta. Várias atrações como o “baobá”, uma árvore natural do continente africano e que virou um dos ícones de Nísia Floresta, mundialmente conhecido pelo livro “O Pequeno Príncipe”, do escritor francês Saint Exupéry. Ela possui 19 metros de altura, plantada em 1877 por Manuel de Moura Júnior e tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional, no ano de 1965.
          
A gastronomia da cidade oferece o famoso camarão da região, prato predileto na culinária potiguar. No local, existem vários restaurantes especializados  em servir Camarão, fruto da pesca, que sempre foi farta dentro das suas lagoas e nas terras de boa qualidade para o plantio de várias lavouras. Essa riqueza natural serviu de impulso para o progresso econômico do povoado, que até os dias atuais se mantém baseado na agricultura, na pecuária, na pesca e na força turística de seu litoral.

O artesanato também faz parte da economia da região.  Na comunidade de Campo de Santana, localizada no município, há um grupo de mulheres que se dedica à técnica do labirinto, um mestiço entre o bordado e a renda, trazida pelos colonizadores portugueses e difundida pelo Nordeste brasileiro. São mercadorias que decoram toalhas de banquete, panos de bandeja, centros de mesa, palas de blusas e vestidos, entre outros usos.

Em Alcaçuz, no mesmo município, é uma das únicas comunidades do Rio Grande do Norte que preservam a técnica da renda de bilros ou renda de almofada. Utilizada no vestuário e em peças de guarnição da casa, a qualidade e a beleza dos padrões da renda potiguar fizeram com que, nas décadas de 1970 e 1980, essa produção tivesse grande aceitação no mercado consumidor. Esses produtos são vendidos atualmente tanto nas feiras municipais como na própria localidade pelas mulheres rendeiras.

Possui ainda o Mausoléu de Nísia, onde estão depositados os restos mortais da escritora Nísia Floresta. A cidade conta com uma bela estação de trem de estilo neoclássico, convertida em restaurante: "Estação Ferroviária de Papary". Ela foi construída pelos ingleses em 1881 e considerada Patrimônio histórico nacional em 1984.  O povoado começou com o nome de Vila de Papary, mas pelo Decreto-lei, em de 23 de dezembro de 1948, foi mudado para outra denominação em homenagem à sua mais ilustre filha, a escritora Nísia Floresta, que tinha como nome de batismo, Dionísia Gonçalves Pinto.

A literatura do Rio Grande do Norte passou a ter maior destaque devido a ela, que nasceu em Papary, mais precisamente no Sítio Floresta em 1810. Filha de uma das mais importantes famílias da região, Dionísia Gonçalves Pinto, entrou para história como uma escritora que teve coragem de pensar e defender suas idéias, consideradas revolucionárias pela sociedade conservadora da época. Ela entrou para o mundo literário com um pseudônimo que se tornou internacionalmente conhecido, o de Nísia Floresta Brasileira Augusta.

A escritora do pequeno vilarejo de Papary tornou-se famosa, sendo admirada por muitos e questionada por outros tantos. Era tida como extraordinária, notável, ao mesmo tempo em que era considerada mestiça e indecorosa. Ela após residir em diversos Estados brasileiros, como Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, mudou-se para a Europa onde passou o resto de sua vida. Morreu em 1885, em Rouen, no interior da França. No Rio de janeiro, quando morou lá,  a dirigia um colégio para moças e escrevia livros para defender os direitos das mulheres, dos índios e dos escravos.

Nísia Floresta foi uma das primeiras mulheres no Brasil a romper os limites do espaço privado e a publicar textos em jornais da chamada grande imprensa, com questões polemicas da época. Alguns de seus livros estão sendo reeditados e suas idéias voltam para nos lembrar um pouco da sofrida história das mulheres pelo reconhecimento de seus direitos e de sua capacidade intelectual.  A esta mulher o povo brasileiro deve as primeiras e mais importantes páginas dessa luta, pela coragem revelada em seus escritos e  pelo ineditismo e ousadia de suas idéias.

Os primeiros habitantes da região de Papary, conhecida desde 1607, foram os índios Tupis. O Nome Papary originou-se de uma lagoa de pesca abundante, existente no território, ao lado das lagoas Guaraíras e Papeba.
Com a fusão das línguas tupi e portuguesa, o nome do lugar  modificou para o Papary, com o qual foram denominadas a Lagoa e a Vila. Só através de um Decreto-lei, em 1948, que se transformou no município de Nísia Floresta.

Além das atividades agropecuárias tradicionais na região e do turismo, destaca-se na economia do município de Nísia Floresta o   crescimento da carcinocultura (cultivo de camarões), por tal motivo que ganhou o apelido de "a terra do camarão”. Na cidade se localiza, também,  Barra de Tabatinga, que ao entardecer é comum que a praia seja visitada por golfinhos nas proximidades do “Mirante dos Golfinhos”.


--
Postado por AssessoRN - Jornalista Bosco Araújo no AssessoRN.com em 5/08/2016 11:03:00 AM

terça-feira, 3 de maio de 2016

Caso WhatsApp: País precisa de sistema ágil para rever decisões judiciais 'desproporcionais', diz analista

  • 2 maio 2016
Foto: EPAImage copyrightEPA
Image captionEspecialista diz que Justiça deveria revisar de forma rápida decisões desproporcionais
Decisões que podem ser consideradas “desproporcionais” – como o bloqueio do WhatsApp no Brasil por um juiz do Sergipe – deveriam passar por uma revisão rápida da Justiça. Essa é a opinião de Carlos Affonso Souza, especialista em direito e diretor do centro de estudos ITS-Rio (Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio).
Segundo ele, faz parte do jogo democrático que a decisão de um único juiz de primeira instância, como Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto (SE), repercuta no cotidiano de milhões de pessoas pelo país. Contudo, agrega Souza, o Judiciário tem que ser célere o suficiente para revisar e eventualmente derrubar aquelas que sejam desproporcionais.
Ao mesmo tempo, é preciso que o sistema de recursos judiciais não sirva apenas para protelar uma decisão final.
No caso específico do bloqueio ao WhatsApp, ele sugere que se implemente um acordo de assistência judiciária firmado entre o Brasil e os EUA – em vigor no país desde 2001 e que facilita a cooperação dos Judiciários dos dois países – como uma solução mais adequada a esse tipo de enfrentamento entre empresas de tecnologia e Poder Judiciário.
Leia trechos da entrevista de Souza à BBC Brasil:
BBC Brasil – Que tipo de consequências essa decisão judicial que bloqueia o WhatsApp pode gerar?
Carlos Affonso Souza – Não conheço o conteúdo da decisão (que corre em sigilo de Justiça), mas podemos tirar duas conclusões. A primeira é: a decisão é um caso em que um juiz demanda uma providência que a tecnologia não permite, como o encaminhamento de uma comunicação realizada dentro do aplicativo.
Vale lembrar que recentemente o WhatsApp migrou suas comunicações para um nível de criptografia que aparentemente torna difícil, se não impossível para a própria empresa ter acesso à comunicação que corre em seu aplicativo.
(Em segundo lugar), não tendo a dificuldade tecnológica, eu posso encontrar um desafio de natureza jurídica, sobre a forma pela qual dados de um usuário de uma plataforma como essa podem ser requisitados. E aí vale lembrar que muitas das empresas não possuem representação no Brasil. E aí fica a disputa se o WhatsApp teria ou não representação no Brasil.
Mas, em se considerando que não existe representação do WhatsApp no Brasil e que a sua operação é feita de forma independente do Facebook, a via regular para se solicitar informações que estão localizadas nos Estados Unidos é por meio do acordo de cooperação entre Brasil e EUA, internalizado na legislação brasileira como um decreto no início da década passada.
Então já existe acordo que permite a comunicação de dados, de provas que podem ser úteis em um processo que corre no Brasil, mas cujos dados dos usuários estão nos Estados Unidos. O que o WhatsApp pode alegar é que o Judiciário não pode recorrer diretamente à empresa. Ele precisaria encaminhar a comunicação tal qual prevista no acordo de cooperação.
Image copyrightITS Rio
Image captionCarlos Affonso Souza
BBC Brasil – Como o sr. vê a cooperação de empresas como o Facebook? Existe algum caminho viável para que possam colaborar com a Justiça?
Souza – As empresas têm colaborado com as investigações policiais. Existem formas para que isso ocorra e vem ocorrendo.
Eu sou otimista, eu acho que esse diálogo vem sendo aperfeiçoado, mas discussões e casos extremos acontecem aqui e ali, mas é bom que eles sejam a exceção.
BBC Brasil – Então a suspensão do WhatsApp é algo fora do padrão, um ponto fora da curva?
Souza – Esse é o problema: dizer que isso foi uma falha na curva fica cada vez mais difícil quando você pensa que foi a terceira ordem de bloqueio do WhatsApp no Brasil.
Ou seja, isso só reforça o ponto do acordo de cooperação com os Estados Unidos. Ele está velho e precisa ser revisado de forma a permitir que esses dados sejam processados de forma mais célere, especialmente em tempos de internet. Casos como esse mostram a falha do acordo de cooperação entre Brasil e Estados Unidos. Um acordo que foi assinado em 1997 e entrou em vigor como decreto no Brasil em 2001 não está considerando a velocidade da internet para tráfego de dados.
BBC Brasil – Como o sr. vê a decisão de um juiz de primeira instância de um dos Estados da Federação afetando usuários do serviço no país inteiro? Há poder demais nas mãos de uma pessoa só em vez de um grupo ou um colegiado?
Souza – O fato de essa determinação passar por um magistrado é algo natural da democracia. Decisões como essa precisam vir do Poder Judiciário e não do Executivo – acho que isso é uma conquista democrática.
Mas é também uma conquista democrática que as decisões possam ser revistas e que exista um sistema de recursos que não seja indutivo à protelação de uma decisão final. Que possa ser rápido para revisar decisões de um magistrado que eventualmente falham em passar nos testes de proporcionalidade.
Acho que esse é um desses casos, em que há uma decisão de um magistrado que falha gravemente em fazer o adequado teste de proporcionalidade. Ou seja, em nome de obtenção de algumas informações ou de algum provimento judicial que a gente não sabe qual é, se remove um aplicativo que é dos mais usados no Brasil inteiro. As pessoas o utilizam para fins educativos, profissionais e pessoais.
É claro que sempre existem outros aplicativos e que as pessoas podem migrar para outras soluções, mas ao mesmo tempo é importante perceber que se um aplicativo consegue angariar uma margem tão expressiva de usuários é porque ele faz sua função de forma correta. Simplesmente catapultar toda essa base de usuários para uma solução alternativa não parece ser uma ponderação adequada.
BBC Brasil – Muitas vezes essas empresas são criticadas por serem fechadas e supostamente não colaborar com a Justiça. O sr. vê algum lado positivo desse episódio?
Souza – Acho que tem um lado positivo sob o qual se pode analisar uma terceira ordem de bloqueio do WhatsApp no Brasil, que é evidenciar a necessidade de se reformar o acordo de cooperação judicial entre Brasil e Estados Unidos.
É importante lembrar que a internet é um recurso global. Isso aconteceu hoje com o WhatsApp e pode acontecer mais tarde com qualquer outro aplicativo que seja sucesso na internet e que a empresa não vai ter escritório no Brasil.