Uma vida sem catraca
(*) Rinaldo Barros
Todos os movimentos sociais, ao longo da história, foram inicialmente de cunho emocional; e este a que estamos assistindo não foge à regra. Todavia, é preciso ainda compreender quem são esses “novos atores” e o porquê dessas manifestações espontâneas, sem liderança e sem partido político.
O aumento de 20 centavos nas passagens serviu de pavio para os atuais protestos que incendeiam o Brasil. Mas, o dado de realidade é que, de um modo geral, o transporte público no Brasil é caro, inseguro e mal gerido, afetando especialmente passageiros pobres que não têm escolha a não ser contar com esse sistema.
Como se isso não fosse bastante, o governo federal - de forma equivocada, há muito tempo pratica políticas de incentivo à venda de veículos individuais (carros e motos), com crédito fácil e redução de impostos para as montadoras e revendas.
Além disso, por teimosia (ou cegueira) ideológica, não há registro de qualquer investimento significativo recente na infraestrutura de transportes, em qualquer modal. Nossos portos, aeroportos, estradas e ferrovias estão superados e sucateados. E somente este ano, o governo admitiu realizar concessões onerosas ao setor produtivo para solucionar alguns desses problemas.
O resultado tem sido o crescente sofrimento da maioria da população com engarrafamentos gigantescos no deslocamento diário para estudar, trabalhar, produzir riquezas; o que se traduz em cansaço, estresse e esgotamento físico e mental crônico de milhões de pessoas pelo país afora.
Some-se a isso tudo o crescente distanciamento entre o Estado e a Sociedade, com o sucateamento dos hospitais e das escolas, ao lado da perda da segurança ou do aumento da criminalidade em todos os recantos do País. Por outro lado, tornou-se público os investimentos astronômicos com as obras dos novos estádios para as Copas: 30 bilhões de reais. O povo fez as contas, e uma bomba explodiu no colo da Dilma.
Mas, quem são esses “atores” que formam as multidões nos protestos recentes, e como surgiram?
Basicamente, são jovens - da recém-formada classe “C” - que não vivenciaram a realidade das fases da ditadura e da inflação, fenômenos sofridos pela geração dos seus pais.
Esse segmento da população não tem a menor tolerância com a perda do poder aquisitivo que ressurgiu com a volta da inflação e, pior, todos sentem e pensam que eles não são respeitados pelos atuais governantes, sejam prefeitos, governadores, deputados, senadores ou presidente da República. Aliás, não distinguem a diferença entre os poderes, o que os leva a incluir os juízes, promotores, desembargadores, ministros, dirigentes partidários, e todos os que exercem algum cargo que simbolize o poder.
Registre-se que mais da metade dessa juventude que grita “vem pra rua” pertence a comunidade universitária. São relativamente bem informados e - o mais importante - dispõem de um instrumento poderoso, eficaz e impossível de ser controlado pelo Estado: as redes sociais da internet.
Ou seja, o que é novo atualmente é que os cidadãos têm um instrumento próprio de informação, auto-organização e automobilização que não existia. Antes, se estavam descontentes, a única coisa que podiam fazer era ir diretamente para uma manifestação de massa organizada por partidos e sindicatos, com líderes que logo negociavam em nome deles.
Mas, agora, a capacidade de auto-organização é espontânea. Isso é novo e isso é força das redes sociais já testadas em diversas partes do mundo. Essa é a novidade.
Sem depender das organizações partidárias e sindicais, a sociedade brasileira encontrou um caminho e agora descobriu que tem a capacidade de se organizar, debater e intervir no espaço público. E mais: de pressionar, e até amedrontar os que detêm o poder.
Não vejo sinal de que nossos governantes queiram fazer grandes coisas. Até porque mudar verdadeiramente a realidade social é responsabilidade da sociedade, não dos poderosos.
É o que sempre ensinou a História em todas as civilizações.
Pra terminar, arrisco dizer que os atuais protestos não têm volta, vão se transformar num caminho de lutas para novas conquistas do povo brasileiro.
A evolução mais imediata e concreta que consigo vislumbrar será a conquista da tarifa zero para os transportes coletivos, com resgate do debate sobre o tema, iniciado na gestão da prefeita Luiza Erundina (SP).
Para custear o sistema, seria implantado o “Fundo de Transporte”, que reservaria parte dos recursos coletados no IPTU. Dessa forma, o custo do transporte coletivo para os cidadãos seriam proporcionais a seus ganhos salariais. A conferir.
Resumo da ópera: no limite, o povo brasileiro quer apenas uma vida sem catraca.
(*) Rinaldo Barros é professor - rb@opiniaopolitica.com
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