China, EUA e Brasil
Adriano Benayon * 19.05.2014
1. Qual será o melhor regime para o Brasil? Aquele que
lhe garanta autodeterminação e lhe assegure desenvolvimento tecnológico e
social.
2. Para chegar a isso, não poderá continuar com a
economia desnacionalizada e concentrada, nem com suas políticas sendo
determinadas por carteis financeiros e econômicos. Então, o que se deve fazer?
Para conceber algo próximo ao ideal, há que avaliar o que ocorre na prática.
3. À parte as questões da tradição e da cultura, o
regime e as políticas da China têm obtido êxitos consideráveis na consecução
dos objetivos nacionais, inclusive ombrear-se com as grandes potências, e
elevar o bem-estar social. Mas seu sistema pode ser criticado,
entre outros aspectos, por não estar evitando excessiva concentração de renda
no setor privado, embora esta seja ainda muitíssimo menor que a das
tradicionais economias capitalistas e suas dependências periféricas.
4. Tem-se falado muito na ascensão econômica da China.
Segundo novas estimativas do Banco Mundial, conforme a PPP
(paridade do poder de compra) o PIB da China já supera o dos EUA, ficando
ultrapassadas as que não atualizavam os dados, desde 2005. Essas só o previam
para 2019.
5. Alguns números não fecham. Diziam que, pela PPP, o PIB
da China equivalia em 2003 a 60% do dos EUA. Ora, se aplicarmos as respectivas
taxas de crescimento acumuladas de 2003 a 2013 (164,1% e 16,05%), resulta que o
PIB chinês já superava o estadunidense em 35,5%.
6. Ademais, o BM não retrata as coisas com precisão, já
que: 1) as estatísticas dos EUA superestimam o produto real e subestimam a
inflação; 2) com a enorme financeirização da economia, parte significativa da
“renda”, não deveria ser considerada produto real; 3) os
gastos militares astronômicos – e nisso os EUA batem de longe qualquer
país – não representam algo que possa ser contado, se adotarmos um
critério de bem-estar ao valorar a “produção econômica”.
7. Há mais considerações denotativas de que os aspectos
qualitativos têm importância bem maior que cifras monetárias do PIB. Um dos
feitos do regime chinês foi tirar mais 600 milhões de pessoas da linha de
pobreza, em apenas 10 anos. Outro, tem sido a elevação dos salários reais acima
do crescimento da produtividade.
8. Norton Seng, especialista brasileiro em assuntos
chineses, destaca a qualidade da educação e que a ênfase no emprego de
engenheiros na administração tem viabilizado planejamento capaz de
promover o emprego de centenas de milhões de pessoas em atividades de crescente
conteúdo tecnológico.
9. Ora, isso requer
eficientes infra-estruturas urbanas, de transportes, telecomunicações e outras.
Diz Norton:
“Tudo meticulosamente planejado: das fronteiras agrícolas até os
grandes centros habitacionais. Com toda a infraestrutura necessária para
comportar, adequadamente e sem maiores conflitos sociais, a sua
gigantesca população com complexos viários compatíveis com o crescimento
exponencial de suas cidades em harmonia com o crescimento das várias demandas.”
10. Muitos observadores espantam-se com o fato de, mesmo
após mais de 30 anos seguidos, até 2012, com média acima de 10% aa., as taxas
de crescimento do PIB chinês ainda estarem elevadas, acima de 7% aa., não obstante
a estagnação reinante nos EUA, Europa e Japão, desde 2008.
11. A ideologia faz alguns crerem que a economia obedece
a leis inexoráveis, independentes da política. Esses preveem crise, agora, na
China. Diferentemente deles, penso que só há crise em países em que assim
deseja o sistema de poder nele dominante.
12. A meu ver, o capitalismo caracteriza-se pela
ilimitada concentração do poder financeiro e político nas mãos de pequeno grupo
de famílias e indivíduos.
13. Na medida em que a China não seja – pelo menos,
por enquanto - país capitalista – as tendências de crise que ali surjam,
podem ser afastadas sem dificuldade, pois, detendo-se poder sobre as
finanças e havendo vontade política, estas podem pôr a economia em rumo certo.
14. Os seguidores de Deng admitem que o desenvolvimento
econômico obtido desde o final dos anos 70 não teria sido possível sem ter
havido Mao, sob cuja direção a China, além de conseguir alimentar população
superior ao bilhão, construiu significativa indústria pesada e colocou a China
entre as grandes potências militares e nucleares.
15. Após 1978, o Estado continuou a dirigir a economia e
permaneceu com sua maior parte estatizada, além de manter o controle do
sistema financeiro. Mas abriu grandes espaços para o crescimento de capitais
privados nacionais e admitiu investimentos diretos estrangeiros de grandes
corporações transnacionais. Isso, entretanto, foi feito em condições
diametralmente opostas às que prevalecem no Brasil, especialmente a partir de
1954/1955.
16. Enquanto o governo egresso do golpe que derrubou o
presidente Vargas em 1954, propiciou aos pretensos investidores transnacionais
ganharem capital no Pais e esvaziá-lo dele - controlando o mercado
brasileiro e recebendo subsídios escandalosos - o planejamento central
chinês fez as transnacionais cumprirem condições que levaram à absorção e à
melhora de tecnologias estrangeiras.
17. Na China, os investimentos diretos estrangeiros são
submetidos a regras rigorosamente aplicadas, pois o sistema
político ali não depende de campanhas eleitorais influenciadas por dinheiro
privado ou estrangeiro.
18. E quais as regras essenciais? Não se trata
somente de favorecer as produções intensivas de tecnologia, poupadoras de
matérias-primas, sobre tudo locais, e menos nocivas ao ambiente. É
exigido: 1) quanto à propriedade, haver associação com capitais chineses; 2)
ser assegurada transferência de tecnologia à China.
19. Em geral, próxima a uma fábrica de empresa
transnacional, encontra-se uma controlada por capital chinês, replicando a
mesma produção e inovando-a para torná-la mais competitiva.
20. Já no Brasil, desperdiçam-se os investimentos
públicos em ciência e tecnologia, na proporção da ausência de empresas
nacionais em competição no mercado, e exponenciam-se as consequências da
subordinação às transnacionais estrangeiras: preços absurdamente altos,
transferências de ganhos ao exterior sob todas as formas, endividamento
acelerado por taxas de juros abusivas, política e administração corrompidas
etc.
21. Não nos devemos iludir com as estatísticas de 6ª ou
7ª maior economia do mundo. Para começo de conversa, o grosso do PIB aqui
gerado não pertence a brasileiros, e o que resta para estes está muito mal
distribuído.
22. Além disso, pelo critério da paridade do poder de
compra, o Brasil cai para 9º. Mais importante, o crescimento não decorre de
ganhos qualitativos, mas, sim, da ocupação de parte dos imensos espaços
territoriais e da exploração desmedida de recursos naturais, tanto na
agropecuária como nos minérios, tudo para servir a grupos concentradores
estrangeiros.
23. Desde o colapso de 2007/2008, amplia-se a vantagem da
China sobre as principais economias capitalistas, vinculadas à oligarquia
financeira angloamericana, porque a estagnação destas se acentua, com
infra-estruturas físicas em deterioração, desemprego muito grande, implicando
deterioração do “capital humano” e da infra-estrutura social.
24. Isso porque, diante da crise, o Estado, comandado pela
oligarquia financeira, só trata de socorrer os bancos e apenas adia novas
bolhas, pois: 1) o dinheiro fica nos bancos ou é aplicado em mercados
especulativos e títulos públicos; 2) o Estado vai falindo, mesmo sem
investir o que deveria na economia real ou em favor dela, diretamente ou
através de empréstimos para a produção.
25.
Se o Estado tem real poder sobre a economia, se deseja que a sociedade
eleve seus padrões de vida, se dispõe de quadros que sabem o que fazer,
qualquer crise financeira pode ser debelada, e a casa arrumada: dívidas podem
ser simplesmente canceladas, e novos mecanismos monetários e de crédito,
instituídos.
26.
A finança, portanto, é algo que sempre pode ser posto em ordem, de uma
vez, por decisões políticas, enquanto que são necessários decênios para
construir estruturas e infra-estruturas econômicas e sociais, bem como ativos
tecnológicos para viabilizar níveis adequados de produção e de atendimento às
necessidades sociais.
27.
Em suma, dinheiro e crédito criam-se à vontade, com ou sem lastro, só com
impulsos nos computadores. Já atender adequadamente a demanda (sem
reprimi-la) por bens e serviços reais depende de bem mais que isso.
28.
Nota final. Há mais de 100 bilionários da China. O Brasil mostra 77
bilionários, mas o PIB do País, além de não pertencer, na maior parte, a
brasileiros - equivale a menos de 1/6 do da China. Os 15 mais ricos do Brasil
totalizam U$ 116,5 bilhões, e os da China, US$ 79,6 bilhões. Entre os
brasileiros, muitos pertencem aos mesmos grupos e famílias.
* - Adriano
Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização.
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