Como o apoio evangélico ajudou a aproximar Israel e governo Bolsonaro
Uma questão distante do cotidiano da maioria dos brasileiros tem ganhado espaço central na agenda do novo governo: a transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Se a promessa do presidente Jair Bolsonaro se concretizar, o Brasil abandonará uma posição histórica de busca por equilíbrio no trato do conflito entre israelenses e palestinos para ficar ao lado de Estados Unidos e Guatemala, únicos dois países que transferiram suas embaixadas, ambos em maio de 2018, reconhecendo assim Jerusalém como capital de Israel.
A cidade é considerada sagrada por judeus, cristãos e islâmicos, e reivindicada como capital também pelos palestinos.
O que está por trás de um movimento tão radical pelo novo governo? Bolsonaro tem argumentado que deseja "aprofundar relações" com Israel e defende que o povo israelense tem direito de definir onde fica sua capital. Assim como se viu nos Estados Unidos, porém, os maiores interessados na mudança têm outros motivos para pressionar governo: a transferência é demanda prioritária de lideranças evangélicas que entendem que o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel atende preceitos bíblicos.
O grupo tem peso no eleitorado que conduziu Bolsonaro ao Palácio do Planalto e representação crescente no Congresso - serão 84 deputados e sete senadores a partir de fevereiro, segundo cálculo do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).
"Grande parte dos evangélicos são favoráveis à mudança da capital. Então, nós estamos atendendo um anseio de grande parte da população, não é da minha cabeça, não é algo pessoal meu", disse o próprio Bolsonaro em entrevista ao canal SBT na última quinta-feira.
"A decisão (de mudar a embaixada) está tomada, está faltando apenas definir quando que ela será implementada", disse ainda.
Diante das promessas de Bolsonaro, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, visitou o Brasil no fim de dezembro e prestigiou a posse presidencial - foi a primeira vez que um chefe de Estado israelense veio ao país.
'Israel e o retorno de Cristo'
Estudiosa da relação entre política e religião, a professora da Universidade do Norte do Texas Elizabeth Oldmixon explica que o apoio de lideranças evangélicas a Israel decorre de sua crença de que "a promessa bíblica de Deus da Terra Santa ao povo judeu é literal e eterna".
Para esses cristãos, adeptos do "dispensacionalismo", o retorno dos Judeus à Terra Santa - ou seja, o estabelecimento de Israel - é necessário para a volta de Cristo.
"Quando a segunda vinda (de Cristo) ocorrer, haverá uma atribulação marcada por guerra e desastre natural, durante a qual Cristo derrotará o mal, e o povo judeu aceitará a Cristo como o Messias", ressalta a professora ao explicar a crença de parte dos evangélicos em artigo sobre o tema.
A questão nos Estados Unidos é especialmente importante para evangélicos brancos, destaca Oldmixon. Segundo o centro de pesquisa Pew Research Center, esse grupo perfaz um quinto do eleitorado americano e um terço dos que simpatizam com o Partido Republicano, do presidente Donald Trump. Na eleição de 2016, ele recebeu 81% dos votos desse segmento.
Não à toa, a cerimônia de abertura da embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, em 14 de maio, aniversário de 70 anos da criação de Israel, contou com sermões de dois importantes pastores evangélicos americanos. Robert Jeffress, da Primeira Igreja Batista de Dallas, fez a oração de abertura, enquanto John Hagee, do ministério Cristãos Unidos por Israel, realizou a de encerramento.
Lideranças querem mudança até abril
Lideranças evangélicas ouvidas pela BBC News Brasil defendem a transferência da embaixada brasileira até abril, mês em que se iniciam as celebrações pela independência de Israel. O deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), pastor na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, disse que a mudança é agenda prioritária. Se não se concretizar até abril, ele promete pressão política e mobilização popular.
"A nossa motivação é (mais) um princípio de fé, do que de questões políticas. Para nós, que acreditamos de verdade na Bíblia, quem abençoar Israel será abençoado nas mesmas bênçãos", explicou.
A pastora Jane Silva, presidente da Comunidade Brasil-Israel, está confiante que o governo Bolsonaro reconhecerá em breve Jerusalém como capital de Israel. Ela contou, inclusive, já ter um possível endereço para a embaixada brasileira na colônia Germânica, área nobre da cidade, que pretende indicar para o governo.
"É uma propriedade alugada hoje por outra instituição internacional e que será desocupada. Um local vip, de fácil acesso, bom de estacionamento", contou.
A pastora entende que a mudança da embaixada não será determinante para a vinda de Cristo, já que isso dependeria, na sua leitura bíblica, do retorno de todos os judeus à Israel, mas considera decisão fundamental para que o Brasil seja "abençoado".
"No máximo em abril eu acredito que haverá a troca (da embaixada). É uma promessa de campanha, ele não tem como voltar atrás", disse também.
Jane Silva mantém permanente articulação com congressistas brasileiros. No ano passado, produziu uma comanda em homenagem ao país com a assinatura de 70 parlamentares - uma para cada ano da existência de Israel. Bolsonaro, então deputado federal, assinou por 1955, ano de seu nascimento, enquanto presidente da Câmara, Rodrigo Maia, firmou pelo ano inaugural de Israel, 1948.
Meses depois, em agosto, a pastora estava ao lado de um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, no momento em que ele entregou uma chave simbólica do Brasil ao congressista israelense Robert Ilatov, em mais uma celebração dos 70 anos de Israel, dessa vez em Belo Horizonte.
A proximidade com Israel e a defesa da troca de embaixada, porém, não é consenso entre todos os grupos evangélicos do Brasil. Magno Paganelli, que acaba de concluir uma tese de doutorado na USP sobre o turismo pentecostal em Israel, ressalta que "essa atenção a tudo quanto envolva Israel é mais pronunciado entre as igrejas que chamamos neopentecostais, surgidas desde o final da década de 1970".
Nesse grupo, ele destaca em especial a Universal do Reino de Deus, Plenitude do Trono de Deus, e Renascer em Cristo. Já as mais antigas, como metodistas, presbiterianas e batistas, dão "atenção moderada" a essa questão.
Segundo Paganelli, o "evangélico médio" não entende quais as razões atuais que para que a embaixada não fique em Jerusalém.
"Há uma confusão generalizada sobre o moderno Estado de Israel e os judeus dos tempos bíblicos, e esses evangélicos de hoje não conseguem distinguir uma coisa de outra", afirma.
"O que grande número desses evangélicos sabe, e ainda parcial e enviezadamente, é que Israel foi escolhido por Deus no passado e que há promessas para se cumprirem na vida do Israel étnico, ou seja, os judeus que creem no Messias. Quantos judeus messiânicos há em Israel hoje? Não se sabe porque o número é pequeníssimo. Aí está, a meu ver, parte da confusão feita por evangélicos brasileiros e norte-americanos que se encantam por tudo o que tem a marca judaica acriticamente", acrescenta.
Ceticismo
Apesar da proximidade do novo governo com Israel, ainda há ceticismo tanto aqui quanto lá sobre a perspectiva da mudança se concretizar.
Na avaliação do professor Arie Kacowicz, especialista em América Latina do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Hebraica de Jerusalém, a transferência da embaixada não ocorrerá porque o Brasil tem interesses econômicos e relações com os países árabes e com o Irã.
Historicamente, governos brasileiros têm sucessivamente renovado seu apoio por negociações que estabeleçam dois Estados, um israelense e um palestino. Durante a administração de Michel Temer, o país apoiou resolução da ONU contra a transferência da embaixada americana.
"O Brasil se manteve equidistante entre Israel e seus vizinhos. Acho que isso (o reconhecimento de Jerusalém como capital israelense) não vai acontecer. Será uma mudança radical na política externa brasileira (caso ocorra)", respondeu Kacowicz à reportagem, por email.
A viabilidade da medida é vista com ressalvas mesmo dentro do Palácio do Planalto. À BBC News Brasil, o ministro da Secretaria de Governo, general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, disse que possíveis consequências práticas dessa decisão podem impedir a transferência.
Analistas internacionais acreditam que a mudança poderia levar a retaliações comerciais de países árabes contra o Brasil, que é líder na exportação de carne halal no mundo, comprada e consumida por países muçulmanos. Além disso, veem risco de ataques extremistas às embaixadas brasileiras no exterior.
"São coisas que seriam levantadas, consideradas, na avaliação da concretização da ideia (de mudar a embaixada). Tudo sso pode até inviabilizar (a transferência). Então, eu acho que o pessoal tem que ter um pouco mais de calma. Entre a ideia e a realidade, você tem uma distância bastante longa", respondeu Santos Cruz, ao ser questionado sobre esses riscos.
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