Abelardo Jurema, exilado, visto por um filho.
Ivan Lira de Carvalho
Professor da UFRN e Juiz Federal – ivanlira6@uol.com.br
O Senhor das Águas da Serra, Dom Alírio Trindade, Duque de Bananeiras, merece um brasão adornado por uma garrafa de cachaça e um taco de golfe, demonstrando, nessa heráldica do afeto, como sabe unir a tradição brejeira nordestina ao refinamento do esporte escocês da bolinha branca. A atenção de Dom Alírio pelos que lhe são caros pode ser exteriorizada por mimos dos mais díspares, indo de uma barrica de aguardente a um bom livro, passando por um champagne cuidadosamente escolhido. Porque sou corda do seu coração, já mereci os três e muito mais. Sabedor do meu gosto por memórias e biografias, trouxe-me um exemplar de “Cesário Alvim 27”, Editora Universitária da UFPB, 2010, escrito pelo jornalista paraibano Abelardo Jurema Filho, em recorte da sua vida que se confunde com história do seu genitor – e por que não dizer, do próprio país –, nos dias, meses e anos turbulentos do regime militar inaugurado a 31 de março de 1964.
Abelardo Jurema, nascido em Itabaiana, 1914, formado na Faculdade de Direito do Recife em 1937, foi prefeito da sua cidade (1938) e de João Pessoa (1946/47), em ambas por nomeação. Nas urnas conseguiu a suplência do Senador Ruy Carneiro, 1950, assumindo a cadeira do Palácio Monroe por vários períodos, logrando destaque nacional mercê da vibrante oratória e da defesa do Presidente Juscelino Kubitscheck, companheiro do PSD. Voltou ao parlamento eleito Deputado Federal em 1958, com reeleição em 1962. Afinado com João Goulart, foi deste o Ministro da Justiça até o golpe de março, quando foi cassado pelo Ato Institucional nº 1 e buscou exílio no Peru, voltando ao Brasil em 1974, para trabalhar na corretagem de incentivos fiscais patrocinados pela SUDENE. Não mais exerceu cargo eletivo, mas, anistiado em 1979, teve passagem pelo setor público como Diretor do BNDES e do Instituto do Açúcar e do Álcool, entre 1983 e 1988.
O livro em apreço – cujo título indica o endereço do escritor, na infância vivida em Botafogo, Rio – é formatado com testemunho timbrado pela sentimentalidade própria de quem cultua a memória do genitor, mas contém também escritos do próprio Abelardo, pai, lavrados no exílio peruano, nos anos que se seguiram à Revolução de 64, além de depoimentos esparsos apresentados por conviventes dele. Há boa iconografia, com fotos de época.
Escrito basicamente em primeira pessoa, o que indica o gênero de depoimento ou de memórias, o livro transmuda-se em biografia parcial de Jurema, compondo um instrumento de pesquisa para auxiliar a compreensão de quantos desejem mais saber sobre bastidores e arranjos do poder brasileiro na segunda metade do Século Vinte. A linguagem clara do autor avança também no campo da crônica de costumes, quando relata os hábitos do tranquilo recanto carioca, arredores do Largo Humaitá, sem pejo de discorrer sobre a maneira como ele, filho de Deputado Federal e Ministro de Estado, ganhava uns trocados em inocentes trabalhos infantis, junto a amigos do mesmo tope, ora revendendo fogos juninos, ora iluminando com lanterna os passos das pessoas que trafegavam no horário do blecaute instituído para racionar energia elétrica.
No prefácio, Murilo Melo Filho (que para o nosso orgulho assina como “Das Academias Norte-Riograndense e Brasileira de Letras”), enfatiza a importância política de Abelardo Jurema nos anos cinquentas e sessentas do século findo, tanto no convívio com personalidades da dimensão de José Américo de Almeida, João Agripino, José Joffily e Humberto Lucena, sem descurar o seu traço boêmio e de elevado humor, assim: “Estava almoçando certo dia, na piscina do Copa, quando atendeu a um telefonema, apresentando-se: ‘Aqui fala o Ministro da Feijoada, despachando em seu gabinete na pérgola do Copa”.”
Boa leitura, eu achei. Devo mais uma a Dom Alírio.
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