segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A renúncia do Papa na opinião de Professor Emérito da UFPB.


A IGREJA CATÓLICA OFICIAL E EXIGÊNCIAS DOS SINAIS DOS TEMPOS
José Brendan Macdonald1

Renunciou Bento XVI, o quarto pontífice a fazer tal gesto na história da bimilenar Igreja católica romana. 
O seu sucessor será o bastante sábio para pressionar por profundas mudanças na instituição oficial?  É impossível sabermos agora.  Só o tempo dirá.
Se for um papa conservador como seus dois antecessores imediatos, será infenso às atitudes reformistas evidenciadas pelo Concilio Vaticano II de 1962-65.  Mas mesmo um papa conservador sentirá os clamores por mudança do povo católico, inclusive de não poucos sacerdotes e até de alguns do alto clero.  Mas o conservadorismo é o que prevalece entre os governantes do mundo de hoje e infelizmente não é muito diferente entre os lideres da Igreja católica.  Se por outro lado, mais ou menos contra minha expectativa e a de muitos outros, ele aceitar os sinais dos tempos, ele terá que enfrentar interesses poderosos.  Em primeiro lugar os da Cúria ou burocracia da Cidade do Vaticano, uma casta com forte instalação há séculos.  Ela tratou com muita crueldade a Paulo VI que, sentindo-se idoso e doente, tinha mandado reservar uma cela num mosteiro com a intenção de se demitir.  A Cúria o pressionou, obrigando o pobre homem a ficar no ofício até a morte.  Sugere-se que seu sucessor, João Paulo I, que morreu com pouco mais de 30 dias no cargo, teria sido envenenado por gente da Cúria.  Ele pretendera fazer uma devassa no banco do Vaticano. 
Um papa que tenha a lucidez e a coragem de insistir em mudanças significativas terá que agir com uma independência heróica.  Quando João XXIII convocou o Concilio Vaticano II, não consultou a ninguém.  Fez muito bem porque sabia que no caso contrário a pressão para abandonar essa idéia reformista seria terrível. 
A Igreja católica precisa passar por mudanças profundas.  Infelizmente o papado ainda é uma monarquia absolutista.  Ainda não aceitou os avanços democratizantes brindados a partir da Revolução Francesa para sua própria organização.  No seu leito de morte em setembro de 2012 o Cardeal Carlo Maria Martini insistiu que a Igreja devia reconhecer os próprios erros e “percorrer um caminho radical de mudança, começando pelo papa e pelos bispos.” 
Quais mudanças seriam essas?  Proponho considerar, embora não em profundidade, algumas das mais óbvias.
A exigência do celibato dos sacerdotes deveria ser desfeita.  Ela se impôs no século XI e dura até hoje.  No primeiro milênio houve vários casos de bispos e até de vários papas casados e até  alguns bispos e papas filhos de outros bispos e papas.  A lei do celibato é um contra-senso.  A castidade sincera é uma virtude admirável mas não deve ser imposta.  É praticada pelos monges.  Estes sim, com sua rara vocação para a ascese, são os únicos clérigos aos quais faz sentido insistir sobre essa disciplina.  Por que o crime da pedofilia é mais freqüente no clero da Igreja católica do que no das outras igrejas?  E o que pensar da solidão de muitos padres após alcançarem a meia idade?  O padre deveria ter o direito de casar ou não casar como qualquer outro católico. 
Já  é hora de aceitar a ordenação de mulheres.  O cardeal Ratzinger achava que isso não se fundamentaria porque Jesus não escolheu mulheres para fazer parte de seus 12 discípulos.  Mas Jesus sabia que a sociedade da época não estava preparada para isso.  Aliás, o machismo ainda está mais vivo até hoje do que se pensa, embora mais sutil e menos agressivo do que antes.  Mas a ordenação de mulheres, não obstante as objeções de muitos (e talvez até de muitas também) já poderia ser aceita nestes primórdios do terceiro milênio.  Uma coisa está provada do século XIX para cá: a mulher é tão competente quanto o homem na vida profissional.  Já se foi o tempo onde ela não podia ser mais do que dona de casa, mãe, governanta, normalista ou freira. 
Finalmente - e isto é extremamente importante - a Igreja católica precisa se democratizar.  Durante seus primeiros séculos os bispos eram eleitos pelos chefes de família de suas dioceses ou então aclamados por eles.  Por que o papa é eleito por pouco mais que uma centena de cardeais e os bispos do mundo inteiro são escolhidos a dedo em Roma?  Eu não faria logo a proposta de que já voltássemos a esse sistema bem mais democrático do que o de hoje, bem que assim desejasse, pois tal radicalidade não ganharia apoio, e certos avanços têm que vir por etapas.  Mas por ora se poderia propor que o papa fosse eleito por todos os bispos do mundo e os bispos pelo clero local.  Conviria também dissolver a Cúria.  O papa que fizer isso terá que ter uma coragem leonina.  A Igreja poderia abandonar o Vaticano, entregando-o ao Estado italiano.  O papa poderia trabalhar numa paróquia de Roma com uma centena de funcionários para governar a Igreja e com menos poder do que até hoje.  Muitos dos poderes concentrados no Vaticano poderiam ser entregues às igrejas nacionais.  Os mandatos de papas e bispos poderiam ser limitados, talvez por um período de 10 anos.
Se não houver essas mudanças (idealizadas não só por mim mas por muitos outros católicos também), sem falar em outras aqui não abordadas, a igreja oficial ainda ficará de costas para o mundo moderno.  Sem elas ela não terá como atrair o homem e a mulher modernos.  Os templos continuarão semi-desertos.  E a Igreja católica continuará parecendo para muitos uma peça exótica e ultrapassada.  É preciso voltar às origens do Fundador que nasceu numa estrebaria e andava com gente pobre.  É verdade que há muitos clérigos e leigos na Igreja fieis a esse modo de ser.  Mas a pompa do Vaticano destoa da humildade das origens da Igreja.  Retomar essa simplicidade é um desafio para os lideres da Igreja oficial, especialmente para seu líder máximo, o papa.  Repito: isso exigirá coragem, até mesmo uma coragem leonina.  Mas para quem tem fé em Jesus, isso não será impossível.
1 Professor emérito da Universidade Federal da Paraíba em João Pessoa.  Email: jobremac@gmail.com

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