sábado, 6 de setembro de 2014

1938: Alemães e Ingleses desfilaram na mesma praça de Lisboa. Meses depois, começou a II Guerra.

Lisboa foi uma batalha naval cordial

Fonte:dn.pt

O DIA EM QUE O DN CONTOU:  A ano e meio do começo da II Guerra Mundial, no virar de janeiro para fevereiro de 1938, Lisboa parecia sofrer de esquizofrenia. Um dia, no Terreiro do Paço tocava uma banda nazi e, dias depois, tocava a banda de couraçados ingleses. Na Avenida da Liberdade desfilavam falangistas espanhóis e marinheiros da Navy. E o DN trazia para a capa um garoto da Mocidade Portuguesa, fazendo a saudação fascista, saudando os “velhos aliados”, navios britânicos…
A bordo do cruzador Deutschland, com a bandeira nazi e a Cruz de Ferro tremulando, a banda alemã tocou God Save the King quando a Armada inglesa fundeou no Tejo. Chegados no sábado, 29 de janeiro, os alemães esperaram pelos ingleses e partiram no mesmo dia, 4 de fevereiro. No  último dia de estada, o ministro português da Marinha Ortins de Betencourt ofereceu um jantar, juntando à mesma mesa os almirantes Roger Backhouse, inglês, e Wilhelm Marshall, alemão. As bandas dos cruzadores Deutschland e Nelson também tocaram no Terreiro do Paço, mas só o navio-almirante britânico recebeu a visita do presidente Carmona.
A bordo do cruzador Deutschland, com a bandeira nazi e a Cruz de Ferro tremulando, a banda alemã tocou God Save the King quando a Armada inglesa fundeou no Tejo. Chegados no sábado, 29 de janeiro, os alemães esperaram pelos ingleses e partiram no mesmo dia, 4 de fevereiro. No último dia de estada, o ministro português da Marinha Ortins de Betencourt ofereceu um jantar, juntando à mesma mesa os almirantes Roger Backhouse, inglês, e Wilhelm Marshall, alemão. As bandas dos cruzadores Deutschland e Nelson também tocaram no Terreiro do Paço, mas só o navio-almirante britânico recebeu a visita do presidente Carmona.
Na terça-feira 25 de janeiro de 1938, os lisboetas subiram aos pontos altos da cidade para ver um estranho fenómeno: “Uma grande mancha vermelha apareceu ontem no céu.” O DN brincava: “Pois é verdade, o que se passa na terra é tão vergonhoso que até o céu corou”, diz um boneco do grande cartoonista Stuart, na primeira página. Mas essa edição trazia uma explicação melhor para o que a aurora boreal (foi esse o fenómeno celeste) podia ter querido anunciar. Nos dias seguintes iriam entrar no Tejo duas frotas que, em breve, estariam a bombardear-se nos mares de todo o mundo. “A Alemanha enviará a Lisboa, em visita cordial, o cruzador Deutschland já no dia 29 do corrente”, noticiava o DN. E, linhas abaixo, titulava: “A esquadra inglesa que vem ao Tejo tem um efetivo maior do que aquele que a princípios se anunciou.” Temos, pois, em termos cordiais, uma batalha naval em perspetiva e a ano e meio, o que o mundo ainda não sabia, do começo da II Guerra Mundial.
Logo no dia em que atracam em Lisboa os comandos das “frotas amigas” são recebidos no Palácio de Belém pelo presidente português. Mas só o inglês, o almirante Roger Backhouse, viu retribuída a visita. O general Óscar Fragoso Carmona (na foto, à direita), vestiu a farda de gala para subir ao cruzador Nelson e ser recebido pelo comandante da frota britânica (na foto, Backhouse, ao centro e, à esquerda, o embaixador britânico Walford Selby). Um ano e meio depois, Carmona estará em viagem marítima, vindo de Moçambique, e só chega a Lisboa dez dias depois do começo da II Guerra Mundial.
Logo no dia em que atracam em Lisboa os comandos das “frotas amigas” são recebidos no Palácio de Belém pelo presidente português. Mas só o inglês, o almirante Roger Backhouse, viu retribuída a visita. O general Óscar Fragoso Carmona (na foto, à direita), vestiu a farda de gala para subir ao cruzador Nelson e ser recebido pelo comandante da frota britânica (na foto, Backhouse, ao centro e, à esquerda, o embaixador britânico Walford Selby). Um ano e meio depois, Carmona estará em viagem marítima, vindo de Moçambique, e só chega a Lisboa dez dias depois do começo da II Guerra Mundial.
O que o mundo já sabia é que a guerra local e vizinha, a Guerra Civil espanhola, estava em vias de ser resolvida a contento dos rebeldes do general Franco. Os bastiões republicanos eram flagelados: “Novo e violento bombardeamento de Barcelona”, noticiava o DN, nessa capa de 26 de fevereiro. Ao mesmo tempo, mostrava de que lado estava Portugal: importantes delegações falangistas, vindas da Galiza e da Extremadura espanhola (de Badajoz), eram esperadas em Lisboa, no dia da chegada do cruzador alemão. Eis, pois, marcada para aquele sábado, uma forte presença política da extrema-direita espanhola e um importante navio de guerra nazi no Tejo- nas vésperas da chegada da Home Fleet, navios da Armada britânica.
O Deutschland, comandado pelo almirante Wilhelm Marshall, atraca na Rocha Conde de Óbidos e dois submarinos U-33 e U-36 vão para o cais de Alcântara. Logo nesse dia, o almirante alemão é recebido em Belém pelo presidente Óscar Carmona. Por terra chegam os falangistas galegos, comandados pelo braço direito de Franco na Galiza, Jesús Suevos, natural da mesma terra do caudillo, El Ferrol. Suevos fará carreira no novo regime, será presidente do Atlético de Madrid e da RTVE, televisão espanhola. Entretanto, passeia-se fardado, cinturão largo, botas e braço estendido de cada vez que a ocasião se proporciona – como se verá nos encontros com os seus camaradas portugueses. Aos galegos juntam-se os falangistas e flechas (jovens franquistas) que vêm de Badajoz. Não são militantes quaisquer, são dos mais aguerridos, tinham protagonizado, ano e meio antes, um dos episódios mais sangrentos da guerra civil: as matanças, na praça de touros, de adversários republicanos. Chegaram de comboio e à estação veio acolhê-los um capitão que, vinte anos depois, em 1958, reunirá multidões em Lisboa e por todo o País, mas que serão de outro bordo: Humberto Delgado.
O capitão Humberto Delgado participou na manifestação dos falangistas espanhóis em Lisboa. Ao contrário do ministro do Comércio português Costa Leite Lumbrales, que faz a saudação fascista, Delgado faz continência.
O capitão Humberto Delgado participou na manifestação dos falangistas espanhóis em Lisboa. Ao contrário do ministro do Comércio português Costa Leite Lumbrales, que faz a saudação fascista, Delgado faz continência.
“Falangistas espanhóis em Lisboa”, “Esquadra alemã no Tejo”, são títulos do domingo, dia 30. O jornal, no dia seguinte, narra essa jornada de glória da extrema-direita: “Arriba Espanha!”, grita na primeira página, de 31. Com foto da Avenida da Liberdade ocupada por fardas da Falange espanhola, da Legião Por- tuguesa e braçadeiras nazis (ver fotos ao lado). No monumento dos Combatentes da Grande Guerra, Jesús Suevos estende o braço na saudação fascista e o ministro português do Comércio, Costa Leite Lumbrales, faz o mesmo, enquanto o capitão Delgado se limita à continência. A charanga da Brigada Naval, do comandante Henrique Tenreiro, outro prócer do regime salazarista, toca os hinos da Falange, de Portugal, de Espanha, da Alemanha e de Itália. Há missa campal. Nessa tarde, no campo do Belenenses, realiza-se o desafio de futebol Portugal-Espanha. Os portugueses ganham 1-0, e o selecionador português fuma cachimbo no banco de suplentes – é Cândido de Oliveira (ver foto). Nessa noite, os dirigentes de futebol dos dois países jantam no Maxim’s e por Portugal fala o comandante Lobo da Costa, que dá vivas à “Espanha nacionalista”. Em 1942, Cândido de Oliveira será preso e mandado para o campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde.
No dia 31, às 15.00, a banda do couraçado Deutschland deu um concerto na praça lisboeta (foto esq.). Ao lado da bandeira portuguesa, a nazi. Dois dias depois dos alemães, à mesma hora e no mesmo local, a banda da Armada britânica tocou também para os lisboetas (foto dir.)
No dia 31, às 15.00, a banda do couraçado Deutschland deu um concerto na praça lisboeta (foto esq.). Ao lado da bandeira portuguesa, a nazi. Dois dias depois dos alemães, à mesma hora e no mesmo local, a banda da Armada britânica tocou também para os lisboetas (foto dir.)
Na tarde do dia 31, a banda do cruzador alemão dá um concerto no Terreiro do Paço, sob a bandeira nazi. Dois dias depois, a mesma banda toca God Save the King à passagem do Nelson, navio-almirante da frota inglesa de vários cruzadores e contratorpedeiros e uma flotilha de seis submarinos. O DN mostra na primeira página um garoto da Mocidade Portuguesa a estender o braço, “saudando os velhos aliados”. Ainda nesse dia o almirante Roger Backhouse é recebido por Carmona, a quem convida para visitar o Nelson. O presidente português aceita e faz a visita logo no dia seguinte.
A banda dos couraçados britânicos também dá um concerto no Terreiro do Paço e os militares ingleses desfilam frente ao monumento aos mortos da Guerra. O ministro da Marinha Ortins de Bettencourt dá um jantar no Hotel Aviz ao comando das duas frotas: senta o almirante inglês à direita e o almirante alemão à esquerda. A partir do ano seguinte, o hotel destes encontros germano-britânicos, em Lisboa, será o Avenida e entre espiões. Os militares de ambos os lados já não se encontravam à mesa.
FERREIRA FERNANDES

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