Lisboa foi uma batalha naval cordial
Fonte:dn.pt
O DIA EM QUE O DN CONTOU: A ano e meio do começo da II Guerra Mundial, no virar de janeiro para fevereiro de 1938, Lisboa parecia sofrer de esquizofrenia. Um dia, no Terreiro do Paço tocava uma banda nazi e, dias depois, tocava a banda de couraçados ingleses. Na Avenida da Liberdade desfilavam falangistas espanhóis e marinheiros da Navy. E o DN trazia para a capa um garoto da Mocidade Portuguesa, fazendo a saudação fascista, saudando os “velhos aliados”, navios britânicos…
A
bordo do cruzador Deutschland, com a bandeira nazi e a Cruz de Ferro
tremulando, a banda alemã tocou God Save the King quando a Armada
inglesa fundeou no Tejo. Chegados no sábado, 29 de janeiro, os alemães
esperaram pelos ingleses e partiram no mesmo dia, 4 de fevereiro. No
último dia de estada, o ministro português da Marinha Ortins de
Betencourt ofereceu um jantar, juntando à mesma mesa os almirantes Roger
Backhouse, inglês, e Wilhelm Marshall, alemão. As bandas dos cruzadores
Deutschland e Nelson também tocaram no Terreiro do Paço, mas só o
navio-almirante britânico recebeu a visita do presidente Carmona.
Logo
no dia em que atracam em Lisboa os comandos das “frotas amigas” são
recebidos no Palácio de Belém pelo presidente português. Mas só o
inglês, o almirante Roger Backhouse, viu retribuída a visita. O general
Óscar Fragoso Carmona (na foto, à direita), vestiu a farda de gala para
subir ao cruzador Nelson e ser recebido pelo comandante da frota
britânica (na foto, Backhouse, ao centro e, à esquerda, o embaixador
britânico Walford Selby). Um ano e meio depois, Carmona estará em viagem
marítima, vindo de Moçambique, e só chega a Lisboa dez dias depois do
começo da II Guerra Mundial.
O Deutschland, comandado pelo almirante Wilhelm Marshall, atraca na Rocha Conde de Óbidos e dois submarinos U-33 e U-36 vão para o cais de Alcântara. Logo nesse dia, o almirante alemão é recebido em Belém pelo presidente Óscar Carmona. Por terra chegam os falangistas galegos, comandados pelo braço direito de Franco na Galiza, Jesús Suevos, natural da mesma terra do caudillo, El Ferrol. Suevos fará carreira no novo regime, será presidente do Atlético de Madrid e da RTVE, televisão espanhola. Entretanto, passeia-se fardado, cinturão largo, botas e braço estendido de cada vez que a ocasião se proporciona – como se verá nos encontros com os seus camaradas portugueses. Aos galegos juntam-se os falangistas e flechas (jovens franquistas) que vêm de Badajoz. Não são militantes quaisquer, são dos mais aguerridos, tinham protagonizado, ano e meio antes, um dos episódios mais sangrentos da guerra civil: as matanças, na praça de touros, de adversários republicanos. Chegaram de comboio e à estação veio acolhê-los um capitão que, vinte anos depois, em 1958, reunirá multidões em Lisboa e por todo o País, mas que serão de outro bordo: Humberto Delgado.
O
capitão Humberto Delgado participou na manifestação dos falangistas
espanhóis em Lisboa. Ao contrário do ministro do Comércio português
Costa Leite Lumbrales, que faz a saudação fascista, Delgado faz
continência.
No
dia 31, às 15.00, a banda do couraçado Deutschland deu um concerto na
praça lisboeta (foto esq.). Ao lado da bandeira portuguesa, a nazi. Dois
dias depois dos alemães, à mesma hora e no mesmo local, a banda da
Armada britânica tocou também para os lisboetas (foto dir.)
A banda dos couraçados britânicos também dá um concerto no Terreiro do Paço e os militares ingleses desfilam frente ao monumento aos mortos da Guerra. O ministro da Marinha Ortins de Bettencourt dá um jantar no Hotel Aviz ao comando das duas frotas: senta o almirante inglês à direita e o almirante alemão à esquerda. A partir do ano seguinte, o hotel destes encontros germano-britânicos, em Lisboa, será o Avenida e entre espiões. Os militares de ambos os lados já não se encontravam à mesa.
FERREIRA FERNANDES
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