Nada de arroz e feijão: saiba qual alimento une o Brasil, segundo Alex Atala
Nem arroz, muito menos o feijão. Pergunte ao chef mais premiado do Brasil - e conhecido pelas pesquisas sobre a culinária regional brasileira - qual o ingrediente que melhor representa o país e a resposta vai ser simples: a mandioca.
"O ingrediente que está presente de norte a sul do Brasil, em todas as mesas, das mais ricas às mais pobres, é a mandioca e suas farinhas", disse Atala, dono do restaurante mais premiado do Brasil, o D.O.M., em São Paulo.
Em entrevista à BBC Brasil durante uma passagem pelo Japão, o chef ainda afirmou não ser verdade que o Brasil inteiro coma arroz e feijão. "Também não dá para falar que a comida baiana é mais brasileira que a mineira ou que a gaúcha e a amazônica", ressalta.
"O que nós brasileiros precisamos entender é que o Brasil é um país muito grande e uma vida inteira dedicada a conhecer o nosso país não é suficiente", diz o cozinheiro, que sugere uma valorização maior dos produtos e comidas regionais.
"Quem é de cada região tem de trabalhar em favor do seu em vez de criar pequenas brigas regionais, que não acrescentam em nada."
Atala esteve no Japão para promover alimentos e bebidas típicas brasileiras que já estão disponíveis no mercado japonês.
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Problema de auto-estima
Entusiasta da pesquisa com ingredientes brasileiros, Atala admite que o país tem dificuldade de valorizar a própria gastronomia, mas que está aberto a experimentar sabores.
"O Brasil é um país com uma abertura para comer comidas diferentes que é ímpar, não é comum no mundo. Então, o problema não é de paladar, mas de auto-estima e de educação alimentar".
Por isso, Atala vem trabalhando nessas duas frentes. Para a auto-estima, ele representa o Brasil no exterior falando de comida brasileira ainda se propôs a mostrar a versatilidade - e o requinte - dos ingredientes nacionais em pratos de alta gastronomia, servidos no D.O.M.
Já para promover a educação e tornar os alimentos típicos do Brasil mais conhecidos, Alex criou, em 2013, com um grupo de amigos, o Instituto Atá (radical da palavra fogo, em tupi), que incentiva uma relação mais sustentável com alimentos, a natureza e a diversidade de ingredientes. E espera que a iniciativa possa servir como exemplo.
"No Brasil, as modas começam assim: quando alguém é admirado e começa a fazer alguma coisa, as pessoas vão seguindo e vão se formando pirâmides. No caso da cozinha brasileira, o que falta é alguém começar a dar o exemplo", sugere.
O exemplo, para ele, começa em casa: pai de três filhos, ele aprendeu no dia a dia a ensinar educação alimentar para os mais novos. No início, não se importava de levar o mais velho a redes de lanchonetes, mas aprendeu a lidar com a vontade de se comer fast food de outra forma.
"Comíamos o hambúrguer, ganhávamos o presentinho. Eu pensava o seguinte: se uma empresa tem o direito de corromper o meu filho, porque ele estava indo lá para ganhar um presente e não para comer, eu tinha o mesmo direito. Então, eu o levava para comer um hambúrguer muito melhor e dava um presente mais legal."
Já os mais novos, conta Atala, não ligam para fast food - preferem um bom sushi.
Mudança de hábito
Atala defende ainda uma outra mudança no consumo de alimentos. Para ele, além de um maior conhecimento e consumo de produtos locais, a relação do homem com o alimento precisa mudar.
"É preciso entender o que acontece antes da panela. Eu tive de aprender que proteger a natureza não é somente cuidar do rio, do mar ou da floresta. É também proteger o homem que cuida dela".
"Não me choca que 90% do Brasil nunca comeu ingredientes amazônicos, mas imaginar quantas pessoas no mundo são capazes de reconhecer um pé de laranja sem fruta".
Nesse sentido, Atala avalia que a proliferação de programas de televisão dedicados à gastronomia tem uma função interessante - embora ele admita que não assista e acha todos muito fracos.
"A desconexão do homem com o alimento hoje é brutal e esses programas estão, pelo menos, reconectando o homem ao ingrediente ou ao ato de cozinhar".
Ainda sobre as "modas" e tendências relacionadas à gastronomia no Brasil, Atala comenta sobre os food trucks.
"Não tenho nada contra, mas eles são uma maneira de empregar pessoas que poderiam estar melhor empregadas".
Relação com o Japão
Durante a passagem pelo Japão, além de cozinhar para cerca de 50 convidados e servir um menu com muitos ingredientes amazônicos - como a castanha do Pará, o açaí e o puxuri, - Atala ainda participou de conversas com chefs japoneses e ministrou um concorrido seminário, organizado pela Embaixada do Brasil no Japão e pelo portal Gurunavi, principal guia japonês de restaurantes na internet.
Na plateia, empresários, jornalistas e cozinheiros japoneses também premiados ouviram fascinados sobre a origem dos pratos servidos no restaurante de Atala e alguns puderam experimentar duas receitas inspiradas na cozinha japonesa: um peixe com um molho de açaí e o pudim salgado com um cogumelo selvagem da Amazônia.
O chef brasileiro também admitiu ser fascinado pela culinária japonesa. Ele esteve no país pela primeira vez há dez anos e, desde então, viaja sempre para buscar inspirações.
"Um bom cozinheiro nunca vai ser um bom cozinheiro se não for pelo menos uma vez ao Japão".
Ele ainda diz que foi no Japão que ele aprendeu sobre simplicidade.
"É muito difícil ser simples e, para atingir isso, você precisa ganhar a perfeição."
Outra lição que ele aprendeu com os japoneses foi sobre a organização.
"No Brasil e na Europa você acende o fogão para depois encher a panela; no Japão é tudo ao contrário. Você se prepara para fazer as coisas", explica.
Atala conta que a primeira viagem ao Japão, em 2007, foi reveladora.
"Melhorei como pessoa e tive uma lição de humildade, pois achava que sabia de cozinha japonesa, porque cresci com japoneses e estava a vida toda trabalhando com cozinha. Hoje já se passaram dez anos desde a primeira visita ao Japão e aprendi bastante de cozinha japonesa... o suficiente para descobrir que não sei nada sobre cozinha japonesa."
De rebelde a cozinheiro
De origem palestina, Milad Alexandre Mack Atala, mais conhecido hoje como Alex Atala, sempre foi um rebelde. Ainda adolescente, furou a própria orelha, tatuou o corpo e aderiu ao estilo punk-rock.
Aos 14 anos, deixou a família em São Bernardo do Campo e foi para a capital paulista, onde trabalhou como DJ. Mas, sem muitas perspectivas profissionais, foi se aventurar na Bélgica, onde pintava paredes para sobreviver.
Foi lá que ficou sabendo de um curso profissionalizante de gastronomia.
Atala confessa que não tinha o mínimo interesse pela área, mas foi uma forma de largar o trabalho de pintor de paredes. Com o diploma na mão, trabalhou em restaurantes na Bélgica, na França e na Itália.
Aos poucos, descobriu que levava jeito com as panelas. De volta a São Paulo, ganhou os holofotes quando foi trabalhar no restaurante Filomena.
Em 1999, ele abriu o Namesa, restaurante moderninho onde servia pratos mais simples a preços mais acessíveis. Mas a consagração veio mesmo com o D.O.M., aberto alguns meses depois com dois sócios.
O restaurante é o único do Brasil a possuir duas estrelas no Guia Michelin - o máximo são três estrelas.
No próximo mês de abril, Atala abrirá seu quarto restaurante na capital paulista, o Bio, de comida natual - atualmente, além do D.O.M., ele também é dono dos restaurantes Dalva e Dito e Açougue Central.
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