sexta-feira, 21 de outubro de 2011

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Declarações

Cabo Anselmo diz em entrevista ao Roda Viva que não se arrepende de nada do que fez

Plantão | Publicada em 17/10/2011 às 23h11m
Adauri Antunes Barbosa (adauri@sp.oglobo.com.br)
Cabo Anselmo em entrevista ao Roda Viva - Foto de Eliária Andrade
SÃO PAULO - Figura controversa da história do país, Cabo Anselmo, que ganhou notoriedade ao entregar parte dos companheiros de esquerda que lutavam contra a ditadura militar, disse na noite desta segunda-feira no Programa Roda Viva, que não se arrepende de nada do que fez, nem de ter entregado militantes à morte, assassinados em emboscadas armadas pelas forças de repressão. Ele sugeriu que a Comissão da Verdade investigue auxiliares diretos do ex-delegado do Dops Romeu Tuma, morto no ano passado, lembrando que o ex-senador do PTB paulista tinha "muito mais poder" que o também delegado Sérgio Paranhos Fleury, a quem o ex-militar prestava contas.

- Convivi com ele e me acostumei com isso. O doutor Tuma tinha muito mais poder que o doutor Fleury - disse, negando que soubesse que Tuma ou Fleury praticassem tortura. - Só me lembro do Henrique Perrone. Tuma, Fleury, todo mundo sabia da tortura.
Cabo Anselmo, ou José Anselmo dos Santos, foi expulso da Marinha depois de um motim, nos anos 60, e preso pela ditadura militar. Em troca da liberdade delatou perseguidos políticos ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Dops, incluindo sua namorada, Soledad Viedma, que acabou morta pela tortura. Cooptado pelos órgãos de segurança, tornou-se agente duplo e sua atuação foi decisiva para desmontar grupos de resistência armada urbana à ditadura.
- Me arrependo (apenas) de ter traído meu compromisso com a pátria, quando deixei a Marinha e passei para o lado da insubordinação - disse o ex-militar durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo.
Depois de integrar organização que reagia à repressão dos militares, ele contou que só começou a delatar os companheiros de esquerda após ter sido torturado, em 1971.
- Comecei depois do pau de arara, dos choques elétricos, daquele horror todo - disse.
Cabo Anselmo não se abalou a ser perguntado se não sentia algum tipo de remorso por ter sido o responsável pela chacina de seis pessoas, em Recife, com 14 tiros na cabeça, incluindo sua mulher, a paraguaia Soledad.
- Quantas pessoas assassinadas naquele tempo e com armas dos dois lados? Todos morreram com tiro em uma guerra declarada.
Soledad, que foi assassinada grávida, foi descrita por ele como uma "criatura doce", "carinhosa", "poetisa", "filha de dirigentes comunistas paraguaios" e que "escolheu" enfrentar os policiais da ditadura. Perguntado por que a havia traído, negou.
- Não traí - afirmou, lembrando que ela não lhe dava nenhuma informação.
Segundo a versão apresentada por Cabo Anselmo nesta segunda-feira no Roda Viva, as colaborações de delação que fazia eram feitas na época por um "sombra", Carlos Alberto, que o acompanhava sempre.
- O Carlos Alberto já seguia e fazia todo o trabalho para fora. O que acontecia ali eu não sabia. Naquele momento, não. Quem passava todas as informações era minha sombra, que era um homem do Fleury.
Cabo Anselmo disse também que nunca votou, por não ter documentos, mas "talvez" tivesse votado no candidato tucano José Serra, ex-governador de São Paulo, na última eleição presidencial.
- Talvez tivesse votado no Serra. Dos males o menor - afirmou.
Ele disse que poderia ir depor à Comissão da Verdade para falar o que fez pela repressão, quantas pessoas morreram, entre outras informações, mas impôs condições:
- Estou disposto a contar tudo isso desde que a comissão seja composta por gente tanto da direita quando da esquerda, que tenha objetivo de recompor os lados.
O ex-militar, que estima ter contribuído para a morte de até 200 pessoas durante o período do regime militar, reivindica indenização por ter sido prejudicado pelo regime ao qual serviu como delator. Apesar de não ter nenhum documento, nem carteira de identidade, cabo Anselmo, está pleiteando aposentadoria militarpor causa da expulsão da Marinha.
- Não quero indenização nem coisa nenhuma. Quero que se cumpra a lei, e se a lei espalhou milhões, não quero nada. Mas se houve uma anistia, fui expulso, então essa expulsão deixou de existir - disse, reivindicando: - Quero uma aposentadoria.
Ele disse ainda que vive atualmente com a "colaboração" financeira de três pessoas, empresários, "nunca ligados à força militar", que se "condoeram" de sua situação financeira. Ele não quis revelar os nomes dos doadores e nem detalhes da mesada que recebe, mas um amigo que o acompanhava afirmou que cada um dos três colabora com R$ 500 por mês.
Ele revelou que já teve muito medo de morrer, mas que hoje vive tranquilo.
- Tive muito medo. No começo tive muito. Hoje não, não temo mais nada - disse.
Em seguida ele teve de responder porque ainda vive escondido se não tem mais medo:

- Não gosto do barulho da cidade, da desinformação da cidade. Prefiro viver apartado de tudo isso, em silêncio.
Ele voltou a repetir porque decidiu trair seus companheiros de esquerda:
- Para ajudar a impedir uma guerra civil.
Ele admitiu que a questão de sua mulher Soledad, que entregou para a polícia, e foi morta ao lado de outros companheiros, não está resolvida.
- Não está resolvido, mas isso não significa que não possa ter razão para não viver tranquilo.
Ele não quis citar nomes:
- Não quero falar. Devo constranger determinadas pessoas e não quero falar.

Fonte: O GLOBO.

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