A voz engrandecida da Paraíba
Ticiano Duarte - jornalista
Em Recife, início dos anos 50, cursava o clássico no velho Colégio Joaquim Nabuco, o Atheneu pernambucano, da rua do Príncipe, quando, por intermédio do meu colega de turma, o paraibano Amir Gaudêncio, conheci o então estudante de direito, Raymundo Asfora. Uma turma numerosa da terra de José Américo de Almeida hospedava-se na Pensão Majestic, situada nas imediações do prédio onde funcionava o nosso estabelecimento de ensino, um dos mais frequentados e procurados por estudantes das várias cidades nordestinas, preparando os que tentavam na capital pernambucana o ingresso nas escolas de ensino superior.
Raymundo Asfora era hóspede da Pensão Majestic e cursava a Faculdade de Direito, tendo concluído o curso no ano de 1954. Era seu companheiro de quarto de pensão, um outro paraibano, Virgínius de Gama e Melo, também estudante de direito, que viria a ser um dos grandes nomes da literatura nordestina, como romancista, crítico literário, um dos mais respeitados, com projeção nacional.
Asfora, nascido no Ceará, ainda jovem fixou-se na cidade de Campina Grande, projetando-se como líder estudantil, mais tarde líder político, grande orador e tribuno, um dos mais talentosos da Paraíba, ao lado de um José Américo de Almeida, Alcides Carneiro, Argemiro de Figueiredo, Félix Araújo, Oswaldo Trigueiro, entre outros. Virgínius de Gama e Melo também se notabilizara na tribuna do júri popular, dos Tribunais Superiores de sua terra, nas reuniões sociais e de política cultural, na cátedra universitária, extravasando conhecimentos literários.
Raymundo Asfora era grande amigo de Ronaldo Cunha Lima, companheiro de geração de Marcondes Gadelha, Amaury Vasconcelos, Evaldo Gonçalves e Vital do Rego. Foi vereador em Campina Grande, deputado estadual, federal, vice-governador do Estado, advogado, atuando com destaque em toda região nordestina, sobretudo no fórum criminal.
Tarcísio Burity, ex-governador da Paraíba e seu aliado em algumas lutas políticas, disse certa vez que ele foi “um gigante no fascínio que exerceu sobre as massas”. Ele realmente conquistou e amou o seu povo pela força de sua oratória. Construtor e frases de grande beleza plástica, Burity ainda disse que Asfora não “era apenas um arquiteto de sentenças bem feitas. Era também um engenheiro de ideias bem sedimentadas”.
José Américo de Almeida exaltou-o, afirmando que ele era uma “voz talhada para as grandes assembleias. Sabe jogar flores e sabe jogar dardos”. Argemiro de Figueiredo destacou: “Nunca vi, juntos, tanto gênio e tanta modéstia”. O seu grande amigo Virgínius Gama e Melo anunciou: “Nunca Campina Grande subiu tão alto. Força das asas de Asfora” e Assis Chateaubriand o definiu como uma imagem perfeita: “um orador assim não pede a palavra, ela se oferece”.
O seu discurso, na Câmara dos Deputados, homenageando o líder a amigo, Argemiro de Figueiredo, sepultado em Campina Grande, é uma peça belíssima, relembrando a vida e a trajetória do grande paraibano: “Assisti ao seu velório. No Palácio Municipal, o salão nobre era um palco de lágrimas e desmaios. Para isolar-me daquela angústia refugiei-me numa pequena sala e, pela madrugada, tocado por uma estranha saudade, confiei-lhe uma breve mensagem de adeus... À beira do túmulo, vozes convulsas instaram-me para que falasse. Li o que me chegara antes e balbuciei qualquer coisa, uma oração talvez... E, quando a terra se abriu para embalar o seu corpo, só me lembro que um grande sol de meio dia ia subindo no céu de Campina Grande”.
Poeta bissexto que auscultou o “Olhar de morte/O caso, agora é de fixar seu movimento/Ele próprio é o seu giro/Por acaso/Ora rapidamente/Ora mais lento”. E em pronunciamento parlamentar, denunciou a fome nordestina: “E não há abismo mais profundo do que um estômago vazio... Massas famintas são ingovernáveis, não há como conte-las com a coerção de normas jurídicas. Um estômago vazio só conhece as leis das suas necessidades”.
Pouco antes de ocorrer sua morte trágica, no ano de 1997, bebia solitariamente num bar da cidade de Campina Grande até altas horas da madrugada. Ao retirar-se, deixou sobre a mesa um guardanapo de papel com a seguinte inscrição: “A pior das mortes é morrer na eternidade”.
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