O ATAQUE DAS TRAÇAS
Públio José –
jornalista
O título deste artigo mais parece título de filme B de Hollywood, do tipo
“O Ataque das Abelhas”, “Piranha Assassina”, “O Ataque das Aranhas”, “Cobras Em
Seu Banheiro” e obras semelhantes. Mas é tão somente a constatação do
surgimento de uma considerável quantidade de traças a atanazar nossas vidas
neste período chuvoso. Agora, em função do inverno, chama à atenção a forte
presença das traças no nosso espaço doméstico. De repente, você abre o armário
de roupas e está lá um monte de traça no bem bom, causando grandes transtornos.
Tirando a paciência, danificando tecidos – enfim, roendo, roendo e roendo sem
parar. Aí me indaguei: pra que serve a traça? Será que somente para aquela
atividade ininterrupta de se agarrar em paredes, de habitar fundos de gavetas e
lugares úmidos e penumbrosos à procura de tecidos e papéis? Se for somente para
isso, que vidinha insípida, sem graça!
Creio existir um grande vácuo, um grande lapso, enfim uma grande dívida da
Ciência para conosco, em não ter pesquisado ainda as qualidades (negativas ou
positivas. Positivas?) da traça. Pelo menos até hoje eu desconheço algum
estudo, alguma investigação científica sobre tal inseto. E veja que todos os
dias os cientistas descobrem possibilidades interessantes nos elementos mais
absurdos da Natureza. Então, por que sobre a traça não se diz nada, não se
descobre nada? Diante de bases tão escassas de observação, fui ao dicionário.
Lá, está escrito que a traça “é a designação comum a insetos ápteros, da
espécie lepisma, que se constitui praga doméstica atacando livros e roupas”.
Até aí nada de admirar. Traça é isso mesmo. Bronca! Agora, impressionado fiquei
com a frase final do dicionário sobre o temível áptero: “aquilo que destrói
pouco a pouco”. Ah, bicho malvado, perverso, cruel...
Aí, desse devaneio biológico, passei a olhar o cenário, o horizonte do ambiente
político brasileiro. E vi, nele, gente muita parecida com a traça. Políticos
que – apesar de malvados, perversos, cruéis, como ela – não destroem, de uma
tacada só, o ambiente que habitam. Não, eles não arrasam de repente o lugar que
os acolhe. Feito traças, eles vão destruindo pouco a pouco, agarradinhos às
paredes, gavetas e armários dos espaços legislativos, executivos, judiciais,
buscando vantagens, adulterando regras, princípios, valores. À procura de
papéis e tecidos que configuram a base legal, econômica, social e
administrativa do país, grudando neles, para, dali, auferir seus ganhos
absurdos, ilegais, imorais. Como a traça, tais personagens também agem na
sombra, ao abrigo da luz. Não ocupam posições em campo aberto, nem aceitam a prática
transparente da discussão, do embate de ideias diante de todos.
Suas negociatas e falcatruas necessitam de ambiente penumbroso, longínquo aos
fachos de luz da Lei, da Moral, da Ética. Ah, quão perversos são para o país
tais bandidos! E o pior: vivem travestidos de bons moços. Os tempos passam e
eles não mudam, não desistem. Estão sempre lá, roendo, fuçando, se alimentando
do que não lhes pertence. Para o combate à traça a solução é simples. Vassoura
e espanador, acompanhados de limpa móveis e detergente – pronto. Beleza! Mas,
na luta contra as traças de paletó e gravata, o buraco é mais embaixo.
Denúncias pela Imprensa, investigações, CPIs, inquéritos de toda ordem – e
nada. Eles permanecem agindo como traça, nas sombras, roendo, roendo,
engordando, ganhando sempre. O voto contra eles, numa próxima eleição, poderia
até ser uma medida de eficaz assepsia. Mas o que fazer se o eleitor também tem
seus momentos de traça? Pobre do nosso paletó...
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