domingo, 31 de março de 2013

Os políticos deixaram a SUDENE se acabar, os prefeitos reclamam mas não fazem bulhufas, o povão sobrevivendo do Bolsa Família (também chamada de Bolsa Cachaça), as bandas fazem chous caríssimos, os jovens "pedreiros" morrendo e matando por causa do craque, a classe média não está nem aí. Eita seca arretada! Mas tem gente que se preocupa com isso. Veja o


Jornal de WM

No teatro da seca

Woden Madruga

Mais ou menos duas semanas atrás cruzei com Roosevelt Garcia no bairro da Aliança, em Macaíba, cortado pela BR-304. Ia ele no rumo de Passagem Funda, sua fazenda de Taipu, dobrando à direita de quem vai para São Gonçalo do Amarante, agora pela RN-160. Eu continuava em frente, na direção de Queimadas, Lagoa de Velhos, seguindo a mesma BR - a da Reta Tabajara. Demos com as mãos e paramos os nossos carros mais adiante, quase na entrada para Jundiaí, junto a um caldo de cana de beira de estrada. Saboreamos o caldo passado na hora e botamos a resenha em dia, mesmo mote de nossas conversas de sempre: a seca e o descaso do governo. Roosevelt é peagadê no assunto. Além de criador de zebu é economista e há eras estuda os problemas do Nordeste, derna do Cepal passando pela Sudene, dois finados. Sugeri: Roosevelt bote isso no papel, quero publicar na TN. Nos despedimos, ele entrou por Macaíba e fui em frente.

A partir daí, dia sim dia não, fiquei cobrando: escreve, cara. Não adianta você ficar se lamuriando da natureza e criticando o governo em conversa de telefone. Quarta-feira, então, a fumaça da chaminé do Vaticano ainda preta pela terceira vez, o carteiro bateu no portão trazendo o texto de Roosevelt Garcia em forma de carta. Ele também sabe da arte de arrumar as palavras. Já escreveu para muito político importante e chegou até a ser secretário de Governo. Conhece os dois lados da vida, bote aí quase meio século produzindo documentos. Bom, vejamos o que ele escreveu:

“Caro Woden:

Você me pede para escrever sobre a Seca, um assunto que ninguém gosta de falar. Fico acuado pensando como esse assunto ficou pequeno diante das Agendas do Congresso Nacional, das Assembleias dos estados nordestinos e do discurso dos candidatos a prefeito na última e recente eleição. Nenhum falou sobre a Seca que castigava e castiga ainda seus eleitores.

O Semi-árido e seus bichos, suas plantas e sua gente amargam o esquecimento institucional e ficaram pequenos a partir da extinção do Conselho Deliberativo da Sudene, onde governadores como Aluízio Alves, Miguel Arrais, ACM e tantos outros gritavam para o país inteiro ouvir as dores dos seus povos bem governados.

Acabou, esse tempo se foi. O Nordeste seco perdeu a voz, creio, para sempre. Se quiser, pensando nos rebanhos de vacas magras e prenhas que após o parto o bezerro cai e fica no chão, só e abandonado, deixo algumas lágrimas caírem na solidariedade muda aos sertanejos que vivem da criação desses lendários animais.

Pois é, cabe perguntar, quem cuida de nós, produtores rurais do Semi-árido?

O Governo Federal criou o Programa da Agricultura Familiar e nele botou mini-produtores apoiando-os com Bolsa Família, Bolsa Estiagem, Seguro Safra e crédito rural bom e barato.

E foi por essa via que os ex-futuros flagelados foram absolvidos e resguardados. São agricultores de lavoura de subsistência – milho, feijão, mandioca e jerimum. Dependem da chuva anual. Quando a Seca traz pra eles o roçado vazio e as Bolsas que os protegem.

E, agora, eu pergunto qual o nome que deve ser dado aos outros, milhares de produtores rurais e suas famílias, que vivem nas mesmas terras secas desses sertões do Nordeste? Era preciso que uma verdade milenar fosse estabelecida: todos os produtores rurais, mini, pequenos, médios e grandes são iguais perante a Seca. Quando ela se instala, sob a luz do sol abrasador, todas as fronteiras desaparecem entre estados, municípios e fazendas cobrindo regiões imensas e suas populações. A Seca não tem endereço, está no sertão de todos nós.

As políticas públicas para o Semi-árido podem diferenciar os seus beneficiários, mas não podem excluir usuários do mesmo chão. Excluir é discriminar. Esta distorção conceitual deve ser removida dos Planos de Safra pelos formuladores da política agrícola do país.

Fico imaginando um palco enorme, do tamanho do sertão onde entrariam em cena Dona Seca e o Doutor Governo Federal. No meio do palco, onde ocorrerá a batalha, estariam nós, os produtores e seus rebanhos. Pois bem, abre-se a cortina e começa a luta dessas duas grandes forças. Passado o primeiro ano quem ganhou, quem perdeu patrimônios do seu modo de produzir e viver? Dona Seca ganhou, encurralando o pobre e amofinado Governo Federal.

Dona Seca quando chega demora a sair, dura um ano, dois e, às vezes, três anos. Não se assemelha às enchentes, aos furacões destruidores e passageiros.

Pois bem, nesse 2012 e começos de 2013, Dona Seca já ganhou do Governo Federal. A bem da verdade, é uma derrota que se repete ao longo da nossa história.

Cabe perguntar: será que o Nordeste brasileiro é a única região semi-árida do planeta? Claro que não. Existem regiões produtivas nas terras secas dos EEUU, Argentina, Austrália, Espanha, partes da Ásia e África. O México tem na sua bandeira um pé de palma, símbolo da fertilidade do seu semi-árido.

Há, portanto, um conhecimento disponível... “fonte de saber”, construída ao longo de séculos de convivência com as suas Secas. Aqui no RN criamos uma ação inovadora – o Programa do Leite, deixado à míngua, foi salvo, na última hora, pelas mãos do atual Governo do Estado.

Termino esta carta com a cara pra cima procurando chuva no céu sem nuvens, sem luz para clarear a inteligência das instituições que cuidam do nosso Sertão. Só pra ilustrar: a Barragem de Poço Branco está com uma comporta quebrada, esvaindo a sua água para o mar...! Faz é tempo, viu DNOCS?

Abraços, Roosevelt”

A fala do Sertão

Ainda no rastro do Dia da Poesia, tiro do bisaco o poema “O Sertanejo Falando”, de João Cabral de Melo Neto, poeta maior:

“A fala a nível do sertanejo engana: / as palavras dele vêm, como rebuçadas / (palavras confeito, pílulas) na glace / de uma entonação lisa, de adocicada. // Enquanto que sob ela, dura e endurece / o caroço de pedra, a amêndoa pétrea, / dessa árvore pedrenta (o sertanejo) / incapaz de não se expressar em pedra. // Daí porque o sertanejo fala pouco: / as palavras de pedra ulceram a boca / e no idioma pedra se fala doloroso; / o natural desse idioma fala à força. / Daí também porque ele fala devagar: / tem de pegar as palavras com cuidado, / confeitá-las na língua, rebuçá-las; pois toma tempo todo esse trabalho.”

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