domingo, 4 de agosto de 2013

Beber aguardente é chique, mas você pensa que cachaça é água?

Cachaça chique

Publicação: 04 de Agosto de 2013 às 00:00

Coluna de WODEN MADRUGA
TRIBUNA DO NORTE
A revista Florense, editada no Rio Grande do Sul (Flores da Cunha), uma das boas publicações culturais brasileiras, traz no seu número de inverno (ela é trimestral e sai em cada estação do ano), uma matéria sobre a cachaça brasileira, agora incluída nas cartas das bebidas sofisticadas. O texto é assinado por Marco Merguizzo, com o título de “Cheers às marvadas!” e destaca na abertura: “Com requinte de produção, a cachaça brasileira ganha qualidade internacional, exibe excelência e preços comparáveis a um bom single malt e conquista de vez o paladar de uma legião de apreciadores de bebidas finas”.

Li o texto, estalando a língua, degustando, devagarinho, o meu cálice pequeno onde cabem, no máximo, dois dedais da branquinha, parte do meu ritual de todos os domingos em Queimadas. Quando é  tempo dos cajás, dos umbus, das seriguelas e das umbuelas, as cumbucas  completam a arrumação  da mesa. Como não me considero um apreciador sofisticado da cachaça, acho fundamental bebê-la com parede. Hianto de Almeida e Veríssimo de Melo já disseram  - e ficaram consagrados - que “caju nasceu pra cachaça assim como o pirão pro peixe nasceu”. Sábia sabedoria.

Lamento apenas que o Marco Merguizzo não tenha incluído na sua relação dos produtores de boas cachaças artesanais brasileiras o Rio Grande do Norte. Aqui do Nordeste só aparecem o Ceará, Pernambuco e Paraíba, ao lado de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul.  Acho que já produzimos uma cachaça que pode ser incluída nesse time. Lembra ainda o redator que Minas e o Rio de Janeiro são os  únicos  “a terem regiões - Salinas e Paraty -  nas quais as cachaças ali produzidas apresentam o Selo de Indicação Geográfica, concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)”.  Atesta a origem do produto, sua qualidade e dá proteção contra fraudes no mercado. O consumidor tem a garantia de que está bebendo uma cachaça de boa procedência e de boa qualidade. No Brasil há cerca de 4 mil produtores de cachaças artesanais.

Merguizzo faz o percurso histórico da nossa cachaça, derna dos primeiros engenhos aqui instalados 40 anos depois da passagem  de Pedro Álvares Cabral por estas beiras de  praias (era o  “vinho” da cana-de-açúcar) até a sofisticação dos dias atuais, quando algumas marcas chegam a ter suas garrafas vendidas ao preço de quatro dígitos, isso quer dizer: 400 reais, o que equivale aos preços de “scotch whisky de primeira linha”. O texto começa assim:

“De brega e popular a chique – e para poucos. Nos últimos anos, a cachaça brasileira deixou definitivamente os botecos de esquina e os copos americanos ordinários para ganhar status de bebida de luxo e produto “tipo exportação”. Ao exibir qualidade e preços semelhantes aos de um single malt ou scotch whisky de primeira linha, uma seleção de purinhas de estirpe passou a ser reverenciada pelos consumidores mais exigentes, com preços batendo, em alguns casos, na casa dos quatro dígitos a garrafa. Não, não é nenhuma conversa fiada de balcão. Elaborados em escala limitada e com requintes de produção, algumas marcas especiais de cachaça ostentam hoje um nível de excelência tão impressionante que uma legião de apreciadores de outras bebidas finas, como o uísque, conhaque gim, por exemplo, foi obrigado a dobrar-se diante da alta qualidade pelo destilado brasileiro.”

Marco Merguizzo fecha o seu texto, apontando três marcas que formam a “trinca de fina estirpe” da cachaça brasileira: ‘Havana’, produzida em Salinas, nos cerrados de Minas Gerais (“espécie de mito entre os apreciadores de caninhas nacionais”); ‘Magnífica Reserva’, natural da  região serrana do Rio de Janeiro (“lembra um scotch de primeiríssima linha”) e ‘Weber Hauss Reserva Especial’, da serra gaúcha, produzida por uma família de ascendência alemã (“seis anos em madeira – cabreúva e carvalho”).

Desta trinca, já me deliciei com a Havana. Guardo no cofre duas garrafas, uma vazia, a outra virgem. Abrirei esta quando o Brasil for hexacampeão mundial de futebol. A primeira, a vazia,  foi presente de José Madruga, meu pai, nos anos de 1997, vindo daqueles sertões mineiros, passando por Salinas, onde está o feudo dos Anisios Santiagos. Ele escreveu sobre o rótulo amarelo “A mais aristocrática CACHAÇA do mundo para Woden, no seu NATAL – 6/11/97”. A metade dela, bebi, saboreando cada gole, com o poeta Luís Carlos Guimarães.

Os 10 Mandamentos

Ao seu texto, Marco Merguizzo acrescenta: “Os 10 mandamentos da birita fina”, que transcrevo-os em seguida, homenageando todos os grandes biriteiros da vida. Dos simples, dos becos da Ribeira, aos metidos a besta, mas todos (data venia Papa Francisco) irmãos do copo. Vamos aos brindes:

1  – Antes de prová-la, verifique as condições da garrafa, tampinha e líquido, a fim de certificar-se de que não há contaminação ou deterioração da bebida.

2 – Confira as informações do rótulo: sua origem, se é pura, se foi envelhecida e em qual madeira, e, ainda, se ela tem todos os registros no Ministério da Agricultura.

3 – Chacoalhe a garrafa, antes de abri-la. Se aparecer um “rosário de bolhas” em torno do gargalo, você terá certeza de que o líquido ali guardado é dos bons.

4 – Ao despejar devagar a purinha no copo, observe se o líquido escorre em suas paredes como um óleo fino e se forma novamente aquele colar de bolhas. Quanto mais tempo ele durar, melhor é a cachaça.

5 – Confira se a bebida não contém impurezas, posicionando o copo contra a luz.

6 – Para sentir o seu aroma primário característico - o de cana -, cheire a bebida ou esfregue uma pequena quantidade na palma da mão: o aroma tem de ser natural, agradável e suave, e não de álcool.

7 – Ao ser agitada no copo, a boa cachaça forma uma espuma que desaparece no máximo em 30 segundos. Assim é possível verificar se ela está saudável e boa para beber.

8 – Cachaça boa não resseca a boca nem queima a garganta, apesar do alto teor alcóolico. Deve ser, portanto, macia e redonda ao paladar. E saboreada, de preferência, em pequenos goles, para ser melhor apreciada.

9 – Pinga da boa também não deixa bafo, tampouco dor de cabeça. Seus aromas e sabores, portanto, devem ser suaves, revelando de modo equilibrado as nuances da fruta, o teor alcoólico, o ácido e o doce.

10 – Depois de aberta, a garrafa deve ser mantida bem fechada, a fim de evitar que a pinga evapore. Se você tiver uma garrafa de rosca, semelhante à do whisky, transfira para ela a marvada. Desse modo, você poderá saboreá-la outras vezes e, melhor, com a mesma qualidade.”

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