domingo, 1 de julho de 2012

A "guerrilha" de Catolé do Rocha (1).


69 em Catolé do Rocha/PB - histórias que cruzam. Primeira parte: Contextualizações necessárias

Imagem 01 – detalhe Capa do Livro BRASIL NUNCA MAIS



No Brasil, e também em grande parte do mundo, os ânimos políticos andavam alterados em 1969. No Brasil, a ditadura que já era por demasiado dura, nesse ano escancarou de vez suas portas para repressão, violência, terrorismo de estado.


Implantada em 1964 através de golpe contra o governo democraticamente eleito, a ditadura militar logo colocou em prática seus objetivos e táticas: derrubaram o presidente da república e seu governo, assim como alguns governadores de estado, cassaram direitos políticos, perseguiram lideranças e entidades dos movimentos sociais, reprimiram com violência manifestações populares, prenderam, torturaram e mataram opositores. Com essas práticas tentavam desarticular os setores progressistas.

É bom lembrar que a ditadura militar brasileira não foi fato isolado. Na mesma época vários regimes ditatoriais se impuseram na América Latina. O mundo estava então dividido entre os blocos capitalista (Estados Unidos) e o comunista (União Soviética). Qualquer movimento que ameaçasse o domínio dos Estados Unidos sobre o continente americano era logo reprimido, daí eles terem apoiado e financiado diretamente várias ditaduras no continente, como forma de evitar o crescimento dos movimentos de esquerda.
Quanto ao nosso país,

A ditadura militar brasileira atravessou pelo menos três fases distintas. A primeira estendeu-se do golpe de Estado, em abril de 1964, à consolidação do novo regime. A segunda começou em dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional no 5 (AI-5), e desdobrou-se nos chamados anos de chumbo, quando a repressão atingiu seu mais alto grau. A terceira e última fase abriu-se com a posse do general Ernesto Geisel, em 1974, que iniciou uma lenta abertura política, mantida durante o governo Figueiredo até o fim do período de exceção, em 1985. (Luta, substantivo feminino, pág. 22)



Por essas épocas em Catolé do Rocha, pequena cidade no sertão paraibano próxima da fronteira com o Rio Grande do Norte, o contexto local não era menos autoritário que o contexto nacional. Catolé do Rocha também vivia seus anos de chumbo.

Na década de 60 Catolé possuia inúmeros problemas sociais e econômicos. 
     Já carregava desde muito tempo a fama de ser uma cidade violenta.
Essa realidade se devia a própria cultura e história da cidade que sempre foi lugar de coronéis e das oligarquias.  
Por décadas a governança municipal tinha sido disputada e alternada entre famílias rivais.
Como resultado, nos anos 60 na época da ditadura, o município estava abandonado, com escuridão e lamaçais tomando conta da periferia (segundo o que nos informa o historiador Luiz Ferreira de Aquino, através do jornal A Tribuna, Natal/RN, de 1991).
Apesar disso, Catolé tinha certa relevância em relação a outras cidades vizinhas. Sua população possuía, entre outros pontos positivos, boa escolaridade. Essa realidade acabou influenciando diretamente nos processos de que trataremos na segunda parte deste texto.
De toda forma, a cidade era marcada por um nível de politização muito baixo, com uma oposição tímida ou mesmo quase inexistente.
 Era, acima de tudo, uma cidade conservadora como tantas outras.
O maior líder político nos anos de chumbo da década de 60, era José Sergio Maia. Podemos dizer que a população de Catolé era submissa e obediente a orientação desse chefe político. Hoje o nome do seu pai batiza o Distrito de Coronel Maia, lugar que hospeda parte de uma das nossas histórias, como poderemos ver mais a frente.
Na época da ditadura militar a família Maia administrou a Paraíba através do governador João Agripino Filho (entre 66 e 71). Na cidade de Catolé, nesse mesmo período, os prefeitos que passaram como representantes dos Maias foram: Arione Maia (entre 65 e 68) e Benedito Alves Fernandes (entre 69 a 72), este sendo filho do gerente de uma das fazendas de José Sergio Maia, quem mandava de fato na administração pública.


Nacionalmente, a repressão e o autoritarismo cresciam com o passar da ditadura.
Marcando definitivamente uma nova fase do governo militar, foi editado nos finais de 1968 o AI-5 (Ato Institucional n° 5). Em seguida, ao longo de 1969, outros atos e dispositivos do governo militar elevaram ainda mais o nível de brutalidade do regime. 

O AI-5 foi considerado um verdadeiro “golpe dentro do golpe”. O Congresso Nacional foi fechado, as cassações de mandatos foram retomadas, a imprensa passou a ser completamente censurada, foram suspensos os direitos individuais, inclusive o de habeas-corpus. O Conselho de Segurança Nacional teve seus poderes ampliados e a chamada Linha Dura assumiu o controle completo no interior do regime. (...)
Com o afastamento de Costa e Silva, em agosto de 1969, por motivos médicos, uma Junta Militar ocupou de forma provisória o poder, impedindo a posse do vice-presidente civil, Pedro Aleixo. De imediato, a junta editou, em setembro de 1969, uma nova Lei de Segurança Nacional, com elevação drástica do conteúdo repressivo e introduzindo a pena de morte. Na disputa sucessória então deflagrada, o general Médici foi o vencedor em uma votação direta entre generais do Alto-Comando. Médici pertencia ao grupo palaciano que havia apostado no fechamento político do Estado e sua posse abriu a fase de repressão mais extremada em todo o ciclo de 21 anos do regime militar. (Direito a Memória e a Verdade, pág. 26)


Lutando contra essa realidade, durante todos os 21 anos em que durou a ditadura, sempre a sociedade brasileira manifestou sua oposição, das mais variadas formas possíveis, através dos movimentos sociais, da cultura e até da luta armada.
Dentro desse contexto de endurecimento do regime (desde 67 e mais intensamente a partir de 68 e 69), alguns setores de esquerda

(...) optaram pela luta armada como estratégia de enfrentamento do poder dos militares. Nasceram diferentes grupos guerrilheiros, compostos por estudantes em sua grande maioria, mas incluindo também antigos militantes comunistas, militares nacionalistas, sindicalistas, intelectuais e religiosos. Essas organizações político-militares adotaram táticas de assalto a bancos, seqüestro de diplomatas estrangeiros para resgatar presos políticos, atentados a quartéis e outras modalidades de enfrentamento, o que, por sua vez, também produziu inúmeras vítimas entre agentes dos órgãos de segurança e do Estado. (Direito a Memória e a Verdade, pág. 24)


Por outro lado a repressão por parte da ditadura militar também avançou:

(...) Alguns “equipamentos” ficaram famosos como o pau-de-arara (barra onde o prisioneiro era pendurado amarrado pelas mãos e pelos pés, como uma caça), Maricota (aparelho para produzir descarga elétrica tocado a manivela), o submarino (tanque com água geralmente suja de escrementos onde submergiam a cabeça dos presos) e cadeira do dragão (um tipo de cadeira elétrica, com assento, apoio de braços e espaldar de metal onde a pessoa era amarrada com as pernas afastadas para trás por uma travessa de madeira, o que fazia com que a cada espasmo causado pelo choque, os membros inferiores batessem violentamente contra a travessa) Outras técnicas aplicadas na época foram: espancar com palmatórias ou barras de ferro em várias partes do corpo; deixar o prisioneiro durante horas, ou mesmo dias, em pé, encapuzado e, geralmente nu, sobre uma superfície irregular que lancinava os pés; extrair as unhas; asfixiar com sacos plásticos; obrigar o torturado a comer fezes e a beber urina; queimar com cigarro ou com ácido; impedir a pessoa de evacuar ou urinar; interromper o sono com luzes fortes e músicas estridentes; deixar o preso em lugares insalubres com lixo e insetos e sem local para depositar as necessidades físicas; obrigar a assistir as torturas e violações sexuais de outros companheiros e/ou familiares; violar homens e mulheres; quebrar ou machucar membros já feridos; simular fuzilamento e atropelamento; ameaçar familiares e amigos. (Historias de meninas e meninos marcados pela ditadura, pág. 27)


Nesse contexto tiveram espaço nossas histórias. Nesse contexto temos marcos das duas narrativas que seguem: 22/10/69 e 10/10/69.

2 comentários:

  1. O texto acima é de autoria do historiador HERBERT DE ANDRADE OLIVEIRA, fruto de uma vasta pesquisa histórica. Esse trabalho foi publicado pela primeira vez no blog www.historicospontos.blogspot.com

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  2. Ver a última parte desse texto: uma história bastante controversa sobre João Roberto, lider estudantil encontrado morto em 1969 no açude olho d'água em Catolé do Rocha. Na época, ele vinha sendo perseguido pela ditadura militar desde sua primeira prisão, no congresso da Une em Ibiúna/SP (68), quando também foi presa sua namorada, Maria do Socorro Moraes, hoje deputada federal Jô Moraes, pelo PCdoB de Minas Gerais.
    Acessar: www.historicospontos.blogspot.com

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