26/03/2012 às 17h58min - Atualizada em 26/03/2012 às 17h58min
Há
dois anos, foi anunciado um projeto que transformaria a capital da
Paraíba em uma cidade digital, com internet grátis e sem fio. Milhões de
reais foram gastos, mas até hoje nada funciona.
Outro tormento do brasileiro é a corrupção. Neste domingo (26), o
Fantástico mostrou mais uma grave denúncia de mau uso do dinheiro
público: um projeto que transformaria a capital da Paraíba em uma cidade
digital, com internet grátis e sem fio, consumiu milhões de reais de
dinheiro público, mas não funciona.
Há dois anos, a prefeitura de João Pessoa fez uma concorrência para
implantar internet grátis e sem fio para todos os moradores e instalar
câmeras de segurança. A concorrência foi vencida pela empresa Ideia
Digital Sistemas, Consultoria e Comércio Limitada.
Mas, dois anos depois, a internet prometida não funciona. Tentamos várias conexões, durante o dia, à noite, no final de semana e nada de internet na região.
Também há indícios de que equipamentos foram comprados muito acima
dos preços de mercado. Um exemplo: ideia digital vendeu, para a
prefeitura de João Pessoa, 16 câmeras de segurança - cada uma por cerca
de R$ 32 mil. Outra empresa ofereceu, em 2008, uma câmera do mesmo
modelo ao Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte por menos
de R$ 11 mil.
Um produtor do Fantástico simulou ser assessor de uma prefeitura
interessada em pôr internet de graça em uma cidade. Tivemos autorização
do prefeito para fazer o contato. Marcamos um encontro com o
representante da Ideia Digital, Paulo Sacerdote, que é gerente de
negócios da empresa, e ficamos estamos em uma sala bem ao lado,
acompanhando em tempo real, toda conversa entre o nosso produtor e o
representante da empresa.
Na reunião, Paulo Sacerdote fala em propina. “Existem alguns
clientes. Vocês vão ter que informar para a gente o percentual. Não
estou aqui me fechando a nada. Mas normalmente o que vem se praticando é
5% a 10%. Dos negócios em que eu atuei, foi mais ou menos isso. Assim
que a gente receba o recurso, uma parte do valor, a gente programa o que
vai passar para vocês”, disse.
Nosso produtor diz que teria R$ 900 mil para gastar com o projeto. O
representante da Ideia Digital faz as contas: seria possível desviar R$
180 mil – 20% do valor do contrato.
Paulo Sacerdote diz que alguns dos serviços, como capacitação de funcionários, constariam no contrato, mas não seriam feitos:
Paulo Sacerdote, representante da Ideia Digital: Tem formulários,
frequência. Tudo que a capacitação foi feita. Ou seja, mostramos
relatórios que fez, quando, na verdade, serviu para fazer frente às suas
necessidades.
Fantástico: Deu certo em outros casos?
Paulo Sacerdote, representante da Ideia Digital: Graças a Deus, até hoje.
Paulo Sacerdote, representante da Ideia Digital: Graças a Deus, até hoje.
Para fechar o negócio, o gerente da empresa propõe usar uma ata de
registro de preços: “a ata é muito utilizada pelos órgãos públicos para
economizar tempo. A gente faz no Brasil inteiro”.
Ata de preços é uma relação com os valores dos equipamentos que
serão fornecidos pela empresa que venceu uma concorrência pública. Como
as atas já são resultado de uma licitação, a lei permite que, durante
pelo menos um ano, outros órgãos públicos usem essas atas como
referência para comprar produtos iguais e sem abrir concorrência. No
projeto da prefeitura de João Pessoa, que tem indícios de super
faturamento, foi feita uma ata dessas.
O gerente Paulo Sacerdote, que na conversa gravada oferece propina,
se defendeu. Disse que só falou em propina, porque o nosso produtor,
que simulou ser assessor de uma prefeitura, insistiu.
“O fato é que ele insistiu tanto que, até para eu interromper a
conversa, eu comecei a dizer assim: ‘para o senhor, 5% é o suficiente?’
Voltei para a empresa onde alinhei toda a nossa diretoria a conversa
tida com esse gestor e tecnicamente, financeiramente, o que ele estava
propondo e, automaticamente, isso foi rechaçado. Não temos qualquer
interesse de estar ofertando propina, seja lá para quem for”, declarou.
O lançamento do Projeto Cidade Digital na Paraíba foi feito por
Aguinaldo Ribeiro, que na época era secretario de Ciência e Tecnologia
de João Pessoa.
Hoje, ele é ministro das Cidades. Um relatório de inteligência
financeira, feito a partir de informações repassadas pelos bancos,
aponta movimentações classificadas como atípicas, ou seja, fora do
normal, em contas bancárias dele. Segundo o documento, essas transações
aconteceram em agosto de 2006, setembro de 2007, agosto de 2008, e entre
janeiro e outubro de 2009.
Movimentação atípica não significa ilegal. Para verificar se houve
crime ou não, o relatório foi entregue a procuradores e à Polícia
Federal. Os órgãos públicos não se manifestam sobre apurações desse tipo
que estão em andamento
O procurador-geral da Paraíba, Gilberto Carneiro da Gama, falou em
nome do governador Ricardo Coutinho, que na época da implantação do
Projeto Cidade Digital era prefeito de João Pessoa. Ele diz que a
contratação da empresa Ideia Digital seguiu a lei.
Gilberto Carneiro da Gama, procurador-geral da Paraíba: Nós não
podemos obrigar as empresas a participar. Se ela tem um preço menor e
não participou da licitação, a gente não pode obrigá-la. Esse é o
problema da licitação.
Fantástico: Não tem nenhum item superfaturado?
Gilberto Carneiro da Gama, procurador-geral da Paraíba: Eu entendo que não, porque se trata de uma composição dentro de uma aquisição de equipamentos e serviços.
A prefeitura de João Pessoa informou, em nota, que o Projeto Cidade
Digital seguiu a lei. Salientou ainda que houve uma brusca redução da
verba e, por isso, o projeto não chegou a todos os locais previstos.Gilberto Carneiro da Gama, procurador-geral da Paraíba: Eu entendo que não, porque se trata de uma composição dentro de uma aquisição de equipamentos e serviços.
Disse também que os problemas de conexão se devem a falhas em um
equipamento e que está investindo R$ 1,5 milhão no projeto, em parceria
com o Governo Federal, que repassou mais R$ 4,7 milhões.
Procurado por nossa reportagem, o ministro das Cidades, Aguinaldo
Ribeiro, não quis gravar entrevista. A assessoria dele divulgou dois
ofícios endereçados ao Ministério Público da Paraíba e ao Tribunal de
Contas do Estado. Nos ofícios, Aguinaldo Ribeiro diz que, quando assumiu
a Secretaria de Ciência e Tecnologia de João Pessoa, a licitação e a
contratação do Projeto Cidade Digital já tinham sido concluídas, e que
nunca liberou recursos para o projeto.
Afirma ainda que há mais de 20 anos exerce atividade empresarial e
que sua movimentação financeira é compatível com o patrimônio declarado à
Receita. O ministro solicitou ainda que as denúncias mostradas na
reportagem sejam apuradas.
Fonte: Jornal Floripa.com.br
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