terça-feira, 27 de março de 2012

Cadê a internet gratuita em João Pessoa?

Projeto tornaria João Pessoa cidade digital, mas até hoje nada funciona 

26/03/2012 às 17h58min - Atualizada em 26/03/2012 às 17h58min






Há dois anos, foi anunciado um projeto que transformaria a capital da Paraíba em uma cidade digital, com internet grátis e sem fio. Milhões de reais foram gastos, mas até hoje nada funciona.

Outro tormento do brasileiro é a corrupção. Neste domingo (26), o Fantástico mostrou mais uma grave denúncia de mau uso do dinheiro público: um projeto que transformaria a capital da Paraíba em uma cidade digital, com internet grátis e sem fio, consumiu milhões de reais de dinheiro público, mas não funciona.

Há dois anos, a prefeitura de João Pessoa fez uma concorrência para implantar internet grátis e sem fio para todos os moradores e instalar câmeras de segurança. A concorrência foi vencida pela empresa Ideia Digital Sistemas, Consultoria e Comércio Limitada.

Mas, dois anos depois, a internet prometida não funciona. Tentamos várias conexões, durante o dia, à noite, no final de semana e nada de internet na região.
 Também há indícios de que equipamentos foram comprados muito acima dos preços de mercado. Um exemplo: ideia digital vendeu, para a prefeitura de João Pessoa, 16 câmeras de segurança - cada uma por cerca de R$ 32 mil. Outra empresa ofereceu, em 2008, uma câmera do mesmo modelo ao Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte por menos de R$ 11 mil.
 Um produtor do Fantástico simulou ser assessor de uma prefeitura interessada em pôr internet de graça em uma cidade. Tivemos autorização do prefeito para fazer o contato. Marcamos um encontro com o representante da Ideia Digital, Paulo Sacerdote, que é gerente de negócios da empresa, e ficamos estamos em uma sala bem ao lado, acompanhando em tempo real, toda conversa entre o nosso produtor e o representante da empresa.
 Na reunião, Paulo Sacerdote fala em propina. “Existem alguns clientes. Vocês vão ter que informar para a gente o percentual. Não estou aqui me fechando a nada. Mas normalmente o que vem se praticando é 5% a 10%. Dos negócios em que eu atuei, foi mais ou menos isso. Assim que a gente receba o recurso, uma parte do valor, a gente programa o que vai passar para vocês”, disse.
 Nosso produtor diz que teria R$ 900 mil para gastar com o projeto. O representante da Ideia Digital faz as contas: seria possível desviar R$ 180 mil – 20% do valor do contrato.
 Paulo Sacerdote diz que alguns dos serviços, como capacitação de funcionários, constariam no contrato, mas não seriam feitos:
 Paulo Sacerdote, representante da Ideia Digital: Tem formulários, frequência. Tudo que a capacitação foi feita. Ou seja, mostramos relatórios que fez, quando, na verdade, serviu para fazer frente às suas necessidades.
Fantástico: Deu certo em outros casos?
Paulo Sacerdote, representante da Ideia Digital: Graças a Deus, até hoje.

Para fechar o negócio, o gerente da empresa propõe usar uma ata de registro de preços: “a ata é muito utilizada pelos órgãos públicos para economizar tempo. A gente faz no Brasil inteiro”.

Ata de preços é uma relação com os valores dos equipamentos que serão fornecidos pela empresa que venceu uma concorrência pública. Como as atas já são resultado de uma licitação, a lei permite que, durante pelo menos um ano, outros órgãos públicos usem essas atas como referência para comprar produtos iguais e sem abrir concorrência. No projeto da prefeitura de João Pessoa, que tem indícios de super faturamento, foi feita uma ata dessas.
 O gerente Paulo Sacerdote, que na conversa gravada oferece propina, se defendeu. Disse que só falou em propina, porque o nosso produtor, que simulou ser assessor de uma prefeitura, insistiu.
 “O fato é que ele insistiu tanto que, até para eu interromper a conversa, eu comecei a dizer assim: ‘para o senhor, 5% é o suficiente?’ Voltei para a empresa onde alinhei toda a nossa diretoria a conversa tida com esse gestor e tecnicamente, financeiramente, o que ele estava propondo e, automaticamente, isso foi rechaçado. Não temos qualquer interesse de estar ofertando propina, seja lá para quem for”, declarou.
 O lançamento do Projeto Cidade Digital na Paraíba foi feito por Aguinaldo Ribeiro, que na época era secretario de Ciência e Tecnologia de João Pessoa.
 Hoje, ele é ministro das Cidades. Um relatório de inteligência financeira, feito a partir de informações repassadas pelos bancos, aponta movimentações classificadas como atípicas, ou seja, fora do normal, em contas bancárias dele. Segundo o documento, essas transações aconteceram em agosto de 2006, setembro de 2007, agosto de 2008, e entre janeiro e outubro de 2009.
 Movimentação atípica não significa ilegal. Para verificar se houve crime ou não, o relatório foi entregue a procuradores e à Polícia Federal. Os órgãos públicos não se manifestam sobre apurações desse tipo que estão em andamento
 O procurador-geral da Paraíba, Gilberto Carneiro da Gama, falou em nome do governador Ricardo Coutinho, que na época da implantação do Projeto Cidade Digital era prefeito de João Pessoa. Ele diz que a contratação da empresa Ideia Digital seguiu a lei.
 Gilberto Carneiro da Gama, procurador-geral da Paraíba: Nós não podemos obrigar as empresas a participar. Se ela tem um preço menor e não participou da licitação, a gente não pode obrigá-la. Esse é o problema da licitação.
Fantástico: Não tem nenhum item superfaturado?
Gilberto Carneiro da Gama, procurador-geral da Paraíba: Eu entendo que não, porque se trata de uma composição dentro de uma aquisição de equipamentos e serviços.
A prefeitura de João Pessoa informou, em nota, que o Projeto Cidade Digital seguiu a lei. Salientou ainda que houve uma brusca redução da verba e, por isso, o projeto não chegou a todos os locais previstos.
Disse também que os problemas de conexão se devem a falhas em um equipamento e que está investindo R$ 1,5 milhão no projeto, em parceria com o Governo Federal, que repassou mais R$ 4,7 milhões.
 Procurado por nossa reportagem, o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, não quis gravar entrevista. A assessoria dele divulgou dois ofícios endereçados ao Ministério Público da Paraíba e ao Tribunal de Contas do Estado. Nos ofícios, Aguinaldo Ribeiro diz que, quando assumiu a Secretaria de Ciência e Tecnologia de João Pessoa, a licitação e a contratação do Projeto Cidade Digital já tinham sido concluídas, e que nunca liberou recursos para o projeto.
 Afirma ainda que há mais de 20 anos exerce atividade empresarial e que sua movimentação financeira é compatível com o patrimônio declarado à Receita. O ministro solicitou ainda que as denúncias mostradas na reportagem sejam apuradas.
Fonte: Jornal Floripa.com.br

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