quarta-feira, 7 de março de 2012

Poeta e político

Tribuna do Norte - 07 de Março de 2012

Ticiano Duarte - jornalista

Ele anda doente e está fazendo falta. Poeta, político, parlamentar, governador, cantador de viola, repentista, improvisador. Sua cidade de coração é Campina Grande. Seu território é o nordeste que ele tem cantado como forma de celebrar sua grandeza, com seus homens e mulheres, enfrentando a dureza da fome e da sede. Rebelde, contestador, bravo, quando muitos se calavam com medo, cassado e processado, sem se acovardar. No final dos anos 70, reencontrei-me com Ronaldo Cunha Lima, no Rio de Janeiro. Estava instalado na cidade de tantos encantos e desafios, com seu escritório de advocacia. Já com uma banca prestigiada e respeitada, atuando com destaque no Tribunal do Júri, na advocacia cível, morando em apartamento próprio perto do bairro do Leblon, na famosa “selva de pedra”.

Uma noite marcamos um encontro. Clênio Alves Freire, casado com sua prima e o seu primo querido, Artur Cunha Lima, o jornalista Idalô, do Jornal do Brasil, que eu o convidara para conhecer o homem que fora estrela de grandeza, no programa de J. Silvestre, da TV Tupi, “O céu é o limite”, premiado com um milhão de cruzeiros, respondendo sobre a vida e a obra do poeta Augusto dos Anjos, em versos rimados e metrificados, de improviso. Uma coisa genial que o país inteiro acompanhou e aplaudiu.

Naquela noite ele falou de sua vida e peripécias. Do menino órfão e pobre que aos dez anos de idade fazia versos, do seu amor por Campina Grande. Da prefeitura que lhe arrebataram por um ato de força e depois reconquistada em campanha livre e democrática, o povo respondendo com altivez aos seus algozes.

Ronaldo ganhara um milhão de cruzeiros. Não era glória, o aplauso, a fanfarra que lhe desejava. Era mostrar ao país a grandeza do poeta de sua terra paraibana, recitado pelo povo, com um único livro 38 vezes reeditado, traduzido para o inglês e o alemão, uma poesia estranha de uma terminologia esdrúxula, cheirando a sangue.

Ronaldo desde menino, como o poeta alagoano Ledo Ivo, do mais profundo de sua infância, trouxe esse “largo e irrejeitável horizonte, feito pela imaginação”. Bastava-lhe ouvir um canto de passarinho, um dia de chuva, um grupo de retirantes, um por do sol, para inspirar-se. “Chegou o sol e se fez manhã/Chegou o dia e se fez domingo/Houve palavras mais não eram as suas/Houve presença/Mas sem você”. Ou, cantou a mulher doente “O filho com fome/O pobre sem nome/Está sem emprego/O mundo lhe fere/A vida lhe agride... Não tem mais apego/Nem a si nem ao seu semelhante/Assaltante”.

Naquela noite inesquecível, de tertúlia, de declamações, de saudações afetuosas, de discurso, eu me levantei da cadeira de balanço e disse, em tom emocionado, a madrugada invadindo a varanda de onde se avistava o bairro do Leblon. O jornalista do JB ouvia extasiado a cena teatral:

- Ronaldo, um dia tudo isso vai acabar, ditadura, cassação, perseguição, censura, e você vai voltar triunfante. E vai se eleger governador da Paraíba. E vai nomear o seu primo, Artur, Conselheiro do Tribunal de Contas.

- É pouco dizia ele, é pouco.

A minha premonição deu certo. Ronaldo governou a Paraíba por duas vezes. Artur foi deputado estadual e presidente da Assembléia Legislativa daquele Estado. Porém, uma coisa eu não acertei. Quem o nomeou Conselheiro do Tribunal de Contas não foi o primo Ronaldo, mas o adversário José Maranhão, na vaga destinada aos membros do legislativo. Nomeou-o por força do dispositivo constitucional e para livrar-se do adversário que o incomodava muito mais no plenário da Assembléia Legislativa do que poderia ser no vetusto colegiado que aprecia as contas do chefe do poder Executivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário